Não é alarmismo da minha parte, mas, com perdão a Ariano Suassuna, um realismo nada esperançoso.
A intolerância política já começa a apresentar os seus primeiros atiradores. Estamos recém a quatro meses da eleição presidencial.
Não dá para esquecer que, no último pleito, Jair Bolsonaro sofreu atentado em comício na famosa esquina de Juiz de Fora (MG), entre as ruas Batista de Oliveira e Halfeld.
Desde lá, poderíamos ter nos preparado para a pacificação eleitoral. Não foi feito nada. Nenhuma campanha. Nenhum alerta. Deveriam ser proibidos o incentivo e a ostentação de armamento no palanque. Ainda que simbolicamente, com dedo soprando. Nosso acaso só tende a se tornar terrorista.
O voto, inclusive, é secreto justamente para respeitar a liberdade do eleitor. Mas parece que cancelamentos e descancelamentos digitais não respeitam tal independência sigilosa. Ou você define o seu lado, ou é execrado por ambas as fações partidárias.
O homicídio do guarda municipal e tesoureiro do PT por um opositor e defensor da reeleição do atual presidente (PL) – que ocorreu em Foz do Iguaçu (PR), na noite de sábado (9), quando o petista comemorava o seu aniversário de 50 anos homenageando o seu partido do coração –, é o sinal vermelho de sangue, o eclipse da lucidez e da civilidade.
Fico matutando com os meus botões: o tiroteio foi por um desentendimento banal, um incidente doméstico entre conhecidos; e quando as torcidas dos apoiadores de diferentes candidatos cruzarem igual caminho, haverá o quê? Chacina?
É comum presidenciáveis se encontrarem na mesma cidade, no mesmo dia, como ocorreu em Salvador, no dia 2 deste mês, durante festejos da Independência da Bahia.
O rastilho de pólvora vem sendo espalhado pelas nossas avenidas. Um atrito em massa será capaz de danos inconcebíveis.
O fanatismo do futebol e a violência dos estádios migraram para a política, com a distinção monstruosa de que os seus praticantes portam armas de fogo.
Não existe revista antes das passeatas, das carreatas e das motociatas.
Em vez de pedras jogadas nos ônibus, teremos balas. Em vez de cadeiras arremessadas das arquibancadas, teremos fuzis.
As contendas passionais e selvagens são deflagradas na frente das famílias, tendo como testemunhas impotentes esposas e filhos, que tentam em vão apaziguar os ânimos com seus gritos de alerta e de piedade.
Assim são criadas gerações para a vingança, para o ódio, para a retaliação, para a justiça com as próprias mãos.
O próprio Ariano teve o seu pai assassinado quando tinha três anos. O deputado João Suassuna foi morto a tiros no Rio de Janeiro, em 1930, acusado de ser mandante do assassinato de João Pessoa, seu sucessor como presidente da Paraíba – o equivalente a governador hoje.
João deixou nove filhos crianças, sustentados com dificuldade pela mãe sozinha.
O escritor passou a infância sendo desafiado por amigos e correligionários: “Como é? Quando crescer, vai vingar o pai?”.
Somente conseguiu perdoar o assassino na velhice, depois dos seus oitenta anos. Traumas duram muito tempo.