Sempre fui uma caricatura, mesmo em fotografias.

Nasci feio, com a assimetria de quem é autenticamente estranho e chama atenção: olhos caídos, bico de pintassilgo, cabeça ovalada.

Sou um pássaro no corpo de homem, vocacionado a voar por dentro das palavras.

Minha especialidade poética é a desarmonização facial. Caso se interesse pelo tratamento, pode falar comigo em particular. É de graça, baseado apenas em envelhecer naturalmente. Posso acompanhar o seu processo a cada 10 anos. Terá resultados significativos.

Exige coragem para aceitar as rugas, os vincos, os cabelos grisalhos, os pés de galinha, o nariz crescendo, as costas suavemente arqueadas.

Mas não precisará mentir a idade, não sofrerá constrangimento de ser confundido com o filho, não gastará horas fazendo selfie, não será refém da espátula e do botox.

Tampouco comprometerá as suas economias, disponíveis para usar em viagens e ampliar a memória.

É uma libertação das aparências, das poses, do fetiche da eternidade.

E, além de tudo, continuará parecido consigo. 

Ao se olhar no espelho, terá certeza da criança que foi. Ela não estará desfigurada pelos procedimentos estéticos.

Não terá que provar aos amigos que você é você. É desconfortável encontrar um colega que não saiu do lugar, que trapaceou, que roubou no jogo do tempo.

Assim como é assustador ver alguém com mais lábios do que língua, ou sem bochechas, ou rindo e chorando todo esticado, como se fosse explodir a qualquer momento. Eu fico tenso. Porque a pessoa pagou para não ser ela. Decidiu boicotar as lembranças de sua pele, as cicatrizes dos amores e das dores, decidiu esvaziar a bagagem da carne.

É como se não tivesse vivido nada, apagou a suavidade coerente dos anos em sua personalidade. É mais um cyborg imutável do que uma pessoa amadurecendo, semelhante a tantas outras que não têm mais como se diferenciar na multidão.

Exibe uma beleza vazia de vaso, de porcelana, de enfeite. É tão perfeito que não tem graça, ninguém acredita, ninguém diz que é real. Passou dos limites da sensualidade para atingir uma obsessão artificial.

Uma das maiores paixões da vida é acompanhar o ciclo biológico e convergir a sabedoria com os próprios traços.

Uma árvore incansavelmente em flor, estacionada na primavera, seria monótona. Perderíamos o esplendor das folhas caindo no outono, dos galhos secos no inverno, da resiliência das folhas no verão.

Só a mortalidade é comovente.