O trágico cenário por trás da morte de Kerollyn Souza Ferreira, de nove anos, encontrada sem vida dentro de um contêiner de lixo em Guaíba, inclui a grave mazela social da maternidade na adolescência. A mãe da criança e principal suspeita do crime, Carla Carolina Abreu Souza, de 29 anos, já tem quatro filhos, sendo que o mais velho, atualmente com 13 anos, nasceu quando ela ainda era uma jovem de 16 anos.
Sua trajetória não é isolada: um em cada sete bebês brasileiros nasce de mães adolescentes. Diariamente, 1.043 meninas se tornam mães no Brasil, o que equivale a 44 nascimentos por hora. Além disso, há um número alarmante de mães entre 10 e 14 anos, com 13.909 casos registrados apenas em 2023. Foram cerca de 38 ocorrências por dia, conforme dados do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc), utilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Diariamente, 1.043 meninas se tornam mães no Brasil, o que equivale a 44 nascimentos por hora
Embora ocorra em todas as camadas da população, essa distorção prevalece nos segmentos socialmente mais vulneráveis, resultando em maior fragilidade comunitária, perpetuação da pobreza, desintegração familiar e violência. Todos esses aspectos negativos faziam parte da rotina da pequena Kerollyn, que vivia na pobreza extrema, sem cuidados adequados, frequentemente alimentando-se de restos e dormindo na rua, além das agressões que sofria, inclusive da própria mãe.
Embora nem todos os casos tenham um desfecho tão trágico, é evidente que estamos diante de uma deformação que precisa ser corrigida. Para enfrentar o desafio, o Brasil necessita de políticas públicas mais eficazes. A ampliação da educação sexual nas escolas, a disponibilização de métodos contraceptivos (como pílulas e camisinhas) e, nos casos de gravidez consumada, o fortalecimento do apoio às gestantes precoces são iniciativas básicas e essenciais.
Também é necessário combater a banalização da gravidez prematura, que, infelizmente, já vem sendo encarada com normalidade por muitos segmentos. Essa é uma tarefa que vai além dos governos. Entidades não governamentais, igrejas, escolas e a comunidade também têm a obrigação de participar. Só um grande mutirão social será capaz de amenizar esse panorama tão triste. O lugar de uma menina é estudando ou brincando, e jamais na maternidade, para dar à luz uma criança como ela.