A pergunta não é se, mas sim quando vai acontecer de novo. A enchente que está fresca na nossa memória veio 83 anos depois da anterior. Colocando na linha do tempo, aconteceu na época da segunda guerra mundial. A enchente de 1941 era história dos livros e memória dos mais antigos. A de 2024 é medo do que temos pela frente, espera por recursos prometidos e por ações que não vejo acontecerem. Ao menos não no ritmo em que precisam.
Traumas ficam martelando na cabeça de quem viveu alguma situação extrema. Lembro de quando voltei a Santa Maria meses depois do incêndio da boate Kiss, que matou 242 pessoas. A cidade vivia o luto. Não tinha conversa, sobre qualquer assunto, que não citasse em algum momento o que aconteceu naquela madrugada de janeiro de 2013.
Em uma manhã de junho, quando circulava pela Vila Farrapos, em Porto Alegre, vi uma cena que ficou também na minha memória. Eram moradores com malas, correndo no meio da rua, na chuva, levando o que era possível e nos aconselhando a não seguir por aquele local porque tudo iria alagar de novo. Não alagou, mas eles reviviam o que acontecera semanas antes. O temor de uma nova enchente, o barulho da água batendo no telhado, a lembrança do tempo fora de casa, sem saber o que tinha sobrado de uma vida construída ao longo de décadas. Tudo junto, tudo vivo na cabeça.
Sigo com a mesma pergunta que fiz ao governador Eduardo Leite em entrevista no Gaúcha Atualidade semanas atrás. E se acontecer de novo em dois meses, como o Rio Grande do Sul vai agir e o que terá avançado em relação à proteção dos municípios e das comunidades? Ainda há pessoas fora de casa e sem endereço para voltar. Tem promessas que não saíram do papel, nas diferentes esferas. Me angustia muito pensar em gente simples, com família para manter, e que ainda espera respostas. Os primeiros cem dias desde a enchente passaram. É inevitável que os temas mudem, que a vida ande, que outras demandas apareçam, mas o que houve não pode ser esquecido.
Entendo a complexidade de enviar dados de milhares de pessoas ou de fiscalizar que o dinheiro chegue às mãos corretas, mas são cem dias e muitos mais pela frente. São cem dias de pessoas aguardando análise dos sistemas. Se isso não é prioridade para as prefeituras, o que mais será? O sistema integrado de prevenção de cheias precisa ter forma e execução, dinheiro e prazos. Mais do que muros, diques e casas de bomba que funcionem, é preciso de radares, de medições. É necessário ter pessoas que conheçam os alertas e saibam qual é o plano de contingência para aplicar. O aeroporto não pode mais correr o risco de alagar. As estações de trem não podem mais ficar meses sem funcionar. Não temos que andar de barco na região metropolitana nem contar mortos no vale do Taquari. Precisamos de respostas.