Eu costumava passar os verões em Jurerê. Como muitas famílias gaúchas, a minha escolheu Santa Catarina para ser o destino de férias durante muitos anos. O mar calmo e quentinho era alegria para mim e o meu irmão e a tranquilidade da minha mãe, que morria de medo de praia com ondas mais fortes. A grana era bem curta naquele tempo, então a gente acampava. Passávamos 20, 30 dias em um camping, na beira da areia, e dormíamos ouvindo o barulho da água.
Era uma barraca grande, com dois quartos e uma pequena salinha na frente. Uma rede pendurada em duas árvores era a varanda pra sesteada ou ouvir histórias. Um luxo! Nos dias de chuva tinha perrengue, é verdade. Lembro do meu pai acordando de madruga para cavar em volta da nossa morada e evitar alagamentos. As refeições eram em conjunto com outras famílias em uma cozinha única. E para aquela vontade de fazer xixi de madrugada não havia outra alternativa a não ser sair na rua em busca do banheiro, também coletivo. Lembrei de tudo isso hoje aqui em Doha porque fui em uma praia que me recordou muito Jurerê. Mas não a minha Jurerê da infância. Essa outra que agora virou um lugar cheio de beach clubs famosos e celebridades.
Em West Bay, uma das regiões mais conhecidas da capital do Catar, onde estamos hospedados, não há praias públicas. Da primeira vez que vi filas para entrar no ambiente praiano, fiquei curiosa. Depois entendi que praticamente a única forma de colocar o pé na areia é através do acesso por um clube de praia. O que escolhemos tinha o valor de 200 rials, a moeda local, cerca de R$ 300 reais, podendo consumir metade desse valor em drinks ou aperitivos. Mas não se empolgue. Tomei apenas um suco de limão e paguei 40 rials. O lugar oferece cadeiras e toalhas. E uma série de extras.
Há a opção de alugar uma tenda por 100 rials. Brincar em um inflável gigantesco dentro do mar, 150 rials. Em uma Copa com valores tão exorbitantes, o local estava bem cheio de gente fazendo isso tudo. Mas como em qualquer lugar do mundo, a faixa de areia banhada pelo mar aqui também é bem democrática e permite diversão gratuita. A principal: o futebol! Um grupo de cariocas joga “altinha” em círculos, chutes para o alto sem deixar a bola cair. Um deles veste a camisa com o nome Ronaldo nas costas e brinca ao perceber que somos brasileiros: “vieram curar a ressaca depois da goleada?”. Explicamos que somos jornalistas e estávamos, no máximo, nos recuperando da canseira. Mas seguimos o papo e logo surgiu a fala da certeza: “o Hexa vem”. Acompanhada da dança do pombo. Logo chegou um argentino na conversa dizendo que vamos nos encontrar mas semifinais. Conversa jogada fora com o pé na água. Ambiente de praia, né?
Aliás, nesses espaços o traje de praia é a regra. Diferentemente do que imaginei, ainda no Brasil, que encontraria, nada de pessoas super vestidas na praia. Mulheres de biquíni, homens de calção ou sunga. Vi apenas uma senhora, certamente muçulmana, usando calças compridas e mangas longas, tudo preto, e com os cabelos cobertos. Estava acompanhada da filha, que usava roupa de banho, e fazendo castelo de areia com os netos. O mar calmo, clarinho e quentinho, aliás, é um convite para os pequenos. E para os maiores também. Vontade de entrar e não sair mais da água, sabe? Ainda mais diante do forte calor que sentimos todos os dias por aqui.
Do outro lado do mundo, colocando os pés nas águas do Golfo Pérsico, em Doha, rememorei a Jurerê da minha infância. Pela areia branca, mar calminho, mas também por toda a estrutura que agora ocupa a região que um dia frequentei de uma forma bem mais humilde no camping. Virando para o outro lado, os enormes arranha-céus que estão do outro lado da rua poderiam indicar outra memória afetiva de alguém que tenha frequentado Camboriú. A verdade é que a praia no Catar, como em outros lugares do mundo, é uma delícia! Para viver hoje aqui e lembrar de todos bons momentos.