O descumprimento das regras criadas pela Secretaria Estadual da Agricultura para a compra e aplicação do herbicida 2,4-D no campo pelos produtores de soja é considerado o principal motivo para o aumento nos casos comprovados de deriva do agrotóxico no Rio Grande do Sul, com contaminações de plantações de outras culturas vizinhas, causando prejuízos a lavouras de uvas finas, olivas e maças, entre outras.
Em consequência disso, a pasta e o Ministério Público (MP) anunciaram sanções administrativas, civis e criminais a sojicultores que descumpriram normas, o que é estimado em até 800 produtores. As penalidades deverão alcançar revendedores de químicos e profissionais que fazem as prescrições agronômicas de aplicação do herbicida, todos por descumprimento de normas.
As instruções normativas para tornar mais rígida a aplicação do 2,4-D — produto usado antes do plantio da soja para matar o inço — começaram a valer em julho de 2019. Elas contêm determinações de caráter obrigatório a produtores rurais que usam o herbicida nos 24 municípios gaúchos em que foram detectados problemas na safra 2018/2019. Nesse período, o Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) apontou prejuízo de R$ 94 milhões em plantações de uvas por conta da deriva.
Na safra atual (2019/2020), foram feitas coletas de 171 amostras de plantas possivelmente afetadas pelo 2,4-D em 54 municípios — em geral, plantações afetadas sofrem atrofia e morte de ramificações, resultando em perdas de produção. Do total enviado para análise laboratorial, 149 acusaram positivo para a presença do princípio ativo do herbicida, percentual de 87,13%. Na safra anterior, quando ocorreram 81 coletas, com 69 positivas, o índice de contaminação foi de 85,2%.
Ou seja, mesmo com a criação de regras, como obrigatoriedade de informar às autoridades sobre a compra e a data de aplicação do agroquímico, de ter um aplicador treinado e de somente usar o 2,4-D nas condições climáticas de vento e temperatura adequadas, se observou leve aumento no percentual de contaminações por deriva. Autoridades destacam que a maior quantidade de testes e a disseminação de conhecimento sobre os efeitos do 2,4-D, o que gerou volume crescente de denúncias pelos prejudicados, contribuiu para a alta de casos confirmados. Ainda assim, reconhecem que a desobediência das regras foi o principal fator.
Em Vacaria, região de aplicação do 2,4-D, o número de declarações de uso do produto foi zero. Em Dom Pedrito, município de maior índice de cumprimento desse requisito, apenas 46,05% dos produtores que adquiriram o químico fizeram a declaração de uso. Em muitos casos, normas posteriores acabaram sendo desrespeitadas, como a aplicação por pessoal treinado e o respeito às condições climáticas. A estimativa inicial da secretaria é de que, dentre os 1,5 mil CPFs de produtores identificados como adquirentes de 2,4-D na atual safra, cerca de 800 poderão ser alvos de autos de infração. Neste caso, são previstos processos administrativos e multas que variam entre R$ 1 mil e R$ 20 mil.
— Até agora, lavramos 50 autos de infração nos 24 municípios cobertos pelas normativas. Isso vai aumentar com a análise dos fatos já detectados. Vínhamos trabalhando com treinamentos e campanhas de educação, mas está chegando o momento de aplicar a lei, tendo outros órgãos envolvidos para ampliar a repercussão — diz Rafael Friedrich de Lima, chefe da divisão de insumos e serviços agropecuários da secretaria.
Ao citar outros órgãos, Lima se refere à Promotoria de Defesa do Meio Ambiente do MP, que tem inquérito em andamento e acompanha a elaboração das normas de controle da deriva do 2,4-D desde o ano passado.
— Um fato é que o aumento da testagem influencia o número maior de comprovações. As ferramentas para enfrentar o problema são aparentemente suficientes, mas muitos produtores não cumpriram com o que foi determinado. Nos resta responsabilizá-los. Em princípio, essa postura lesiva irá gerar ações civis e criminais, conforme previsões na lei dos agrotóxicos — diz o promotor Alexandre Saltz.
O grupo de trabalho da secretaria, que discute desde 2019 as medidas mitigadoras, se reunirá nesta quarta-feira (27) para fazer um balanço dos números e avaliar ações para a próxima safra. Uma das opções em discussão parte do entendimento de que as regras são adequadas, mas não foram cumpridas. Logo, a alternativa seria ampliar a fiscalização para acompanhar o produtor na ponta, no ato da aplicação, flagrando eventuais irregularidades e desestimulando o descumprimento de regras.
Por outro lado, produtores de uvas finas e de olivas seguem pleiteando a suspensão do uso do 2,4-D no Rio Grande do Sul. É o caso de Valter Pötter, membro da Associação de Produtores de Vinho da Campanha Gaúcha. Os empreendedores vinculados a essa entidade são responsáveis por 25% da produção de vinhos finos do Brasil. Em 2020, em mais um ano de prejuízos causados pela deriva do herbicida, estimam as perdas médias da lavoura em 40%.
— Estamos no aguardo de medidas, as normas não foram cumpridas. O prejuízo está feito. E quem paga a conta? O ideal seria suspender a aplicação do 2,4-D enquanto não houver um regramento capaz de ser cumprido e rigorosamente fiscalizado. A secretaria não tem estrutura suficiente para acompanhar a aplicação — diz Pötter.
A pasta não quis emitir avaliação sobre a hipótese de suspensão do químico.
— Todas as opções sempre estiveram na mesa. Em juízo de razoabilidade, começamos com as medidas menos graves — analisa Saltz.
Para os produtores de soja, o caminho é seguir apostando em treinamento e orientação. Décio Teixeira, presidente da Associação dos Produtores de Soja do Estado do Rio Grande do Sul (Aprosoja-RS), avalia que as empresas revendedoras de agrotóxicos têm de ser mais cobradas para dar auxílio técnico nas lavouras. Para Teixeira, a aplicação do herbicida com o adjuvante — substância que deixa as gotas mais pesadas, reduzindo a deriva pela ação do vento — e nas condições certas de temperatura resolveriam o problema.
— O 2,4-D é muito importante para a agricultura. Há de ter regras? Sim. Mas eliminar? Como vamos combater o inço? Como teremos alimentos mais baratos? Se acabar o 2,4-D, virá produto substituto mais caro, isso vai encarecer a lavoura e o alimento na ponta. Tem de seguir na conscientização. Não é todo esse alarme que fazem — diz Teixeira.