O grupo de trabalho da Secretaria da Agricultura que estabelece regras e monitora danos causados pela deriva do agrotóxico 2,4-D, aplicado antes do plantio da soja para matar o inço, discutiu nesta quarta-feira (27) os resultados da primeira safra com a existência de regras para a aplicação do herbicida. Apesar de as normas terem sido criadas com o intuito de controlar os efeitos da deriva, que acabam causando perdas em plantações de uva, oliveiras e maçãs, a própria secretaria constatou que houve aumento de contaminação de plantações pela deriva do 2,4-D, o que causa efeito de atrofia e morte nas lavouras vizinhas aos campos de soja.
Na safra atual (2019/2020), foram feitas coletas de 171 amostras de plantas possivelmente afetadas em 54 municípios, tendo 149 acusado positivo para a presença do princípio ativo do herbicida, percentual de 87,13%. Na safra anterior, o índice de contaminação foi de 85,2%.
O secretário-adjunto da Agricultura, Luiz Fernando Rodrigues, se manifestou em nome do titular da pasta, Covatti Filho. Ele disse que a reunião desta quarta-feira foi inicial e que, a partir da próxima semana, deverão ser definidas pelo grupo de trabalho novas medidas, como adequações nas instruções normativas. Ele comentou o alto índice de descumprimento das normas de aplicação do 2,4-D pelos sojicultores, o que foi constatado pela própria secretaria. Em setembro deste ano, recomeça um novo ciclo de uso do herbicida nos campos.
— Veja bem, quando dizemos que não foram observadas (as regras de aplicação do 2,4-D), eu teria de ter uma noção de por que assim o foram. Eu tenho convicção de que nenhum produtor quis fazer isso. Hoje foi colocado que alguns não tinham conhecimento, alguns falaram que faltou maior publicidade. Esse baixo índice não vamos avaliar que significou descumprimento. Vamos trabalhar para dar publicidade. Precisamos ter o conhecimento de por que isso aconteceu — avaliou Rodrigues.
Embora não tenha sido definitivo, ele indicou que não há disposição para atender a reivindicação dos produtores de uvas finas de suspender o uso do 2,4-D no Estado. Para produtores como Valter Pötter, da Estância Guatambu, é de conhecimento do setor que a secretaria não tem equipe suficiente para fiscalizar na ponta a aplicação do 2,4-D. Somando esse fato ao descumprimento das normas, Pötter é um dos que pleiteiam a suspensão do herbicida enquanto não houver fiscalização rigorosa.
— Eu tenho que confiar. Tenho a perfeita noção de que o nosso corpo técnico é preparado e capacitado. Estamos desenvolvendo sistemas para comprar novas estações meteorológicas (são 20 novas estações) para alertas de deriva (equipamentos indicarão dias adequados para aplicar o 2,4-D conforme condições de vento, umidade e temperatura). Não posso dizer de forma nenhuma que não tem estrutura na nossa secretaria. O que nos falta de logística, estamos adotando — diz Rodrigues, que respondeu a quatro perguntas e, depois, disse que deixaria as demais respostas com a área técnica da secretaria.
Representantes de parte dos setores atingidos pela deriva do 2,4-D alegam não terem sido convidados a participar da reunião do grupo de trabalho.
— Não lembraram da gente, não fomos chamados. No ano passado, as regras de aplicação saíram muito perto do período de aplicação, chegaram tarde. Neste ano, acredito que o pessoal da soja estará mais consciente e que não teremos outra decepção. Esse ano tivemos perdas gigantes em algumas regiões. Em outras, nem tanto. Na média, as perdas ficaram em 40% — comenta Clori Giordani Peruzzo, presidente da Associação de Vinhos da Campanha.
Paulo Marchioreto, presidente do Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva), também não foi chamado à reunião. A entidade representa o cultivo de oliveiras, prática crescente no Estado, que culmina na produção do azeite de oliva. A cultura também está entre as afetadas pela deriva do 2,4-D.
— Estou sabendo pela imprensa. Lamentável — disse Marchioreto.
Em nota, a Secretaria da Agricultura afirmou ter chamado os setores atingidos e "enviado os convites, por solicitação do gabinete do secretário, aos membros que já vinham participando do grupo de trabalho, principalmente os que se faziam presentes nas reuniões ordinárias".
Com os levantamentos disponíveis, a secretaria estima que cerca de 800 produtores de soja descumpriram as regras para a aplicação do herbicida 2,4-D nas 24 cidades gaúchas em que as normativas são válidas. Entre as obrigatoriedades, está a entrega da declaração de compra do agrotóxico e de pulverização, além da observação das condições de temperatura e vento e auxílio de profissional treinado para a aplicação no campo.
Chefe da divisão de insumos e serviços agropecuários da Secretaria da Agricultura, Rafael Friedrich de Lima disse que esses sojicultores, a partir de agora, poderão ser alvo de processos administrativos, com hipótese de receberam multas variáveis entre R$ 1 mil e R$ 20 mil.
Já o promotor Alexandre Saltz, da Promotoria de Justiça do Meio Ambiente, afirmou que os produtores identificados deverão ser alvo de ações cíveis e criminais, baseadas na lei dos agrotóxicos.
A reunião do grupo de trabalho da Agricultura contou com presenças do Ministério Público, entidades da saúde e da pesquisa agropecuária, Farsul, Associação Gaúcha dos Produtores de Maça (Agapomi) e Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav).