No mais recente capítulo do desenvolvimento de proteína animal de forma artificial, foi possível produzir carne de atum dentro do laboratório de startup localizada na Califórnia, nos Estados Unidos. Na curta distância entre os Franken-burgueres, como foram apelidados os primeiros hambúrgueres “fabricados” pela pesquisa, na Holanda, e o protótipo apresentado em solo americano, permaneceram desafios a serem equacionados. Ao mesmo tempo, multiplicou-se a certeza de que o modelo de negócios não é mais apenas uma possibilidade.
– A ideia se espalhou pelo mundo, e há muito interesse nisso. Não é mais sobre se é possível, mas sobre quando ocorrerá. Vejo como inevitável – afirma Brian Wyrwas, cofundador da Finless Foods, a startup americana que desenvolveu peixe em laboratório.
Em setembro de 2017, a empresa ofereceu uma prova do atum produzido em seus laboratórios. Quatro anos antes, a holandesa Mosa Meat foi pioneira na apresentação do hambúrguer feito com proteína cultivada em ambiente de pesquisa. A projeção é colocar produtos à venda até 2021. Gestada na Universidade de Maastricht, na Holanda, a empresa ganhou vida própria depois que o pesquisador Mark Post deixou o mundo boquiaberto, ao apresentar a novidade. Era um sanduíche recheado com matéria-prima produzida de jeito diferente do convencional.
Desafios são reduzir preço e garantir fornecimento regular
Independentemente de qual proteína, há questões comuns para que os produtos cheguem, de fato, às gôndolas. Uma é ter volume para garantir fornecimento regular. “Estamos neste momento focados em dar escala ao processo”, explica em seu site a Mosa Meat.
— A principal questão é a transferência em massa. Como mover os nutrientes em uma quantidade enorme de células — acrescenta Wyrwas.
E isso leva a outro item igualmente desafiador: deixar o produto com valor acessível. Para se ter uma ideia, no desenvolvimento do primeiro hambúrguer com carne de laboratório foram investidos 250 mil euros.
Pesquisador da Mission Barnes, outra startup americana com foco em proteína animal, Kyle Fish lembrou, no evento AgroTech Conference, realizado em São Paulo, que toda inovação tem um preço de partida elevado e, à medida em que é massificada, fica mais barata. Citou o sequenciamento de genomas, que teve custo inicial de US$ 10 milhões e hoje fica em US$ 100.
— No início, será muito caro. Como era pão sem glúten — compara Amure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups (ABStartups).
O dirigente estima que, inicialmente, as carnes de laboratório serão vendidas em lojas “muito específicas”, tendo como público pessoas que adotam a causa animal e se incomodam com a forma tradicional de obtenção da proteína. No Brasil, esse produto dentro de um prazo de cinco anos, é “plausível”, projeta Pinho.
— A razão primária para estarmos fazendo isso é que a demanda por proteína continua a crescer — observou Fish.
A razão primária para estarmos fazendo isso é que a demanda por proteína continua a crescer.
KYLE FISH
Pesquisador da Mission Barnes
Mas a questão ambiental também aparece como argumento. Segundo o pesquisador, “a previsão é de que seja utilizada cem vezes menos água e terra para produzir a mesma quantidade de carne” quando a produção de laboratório ganhar escala.
O foco da Mission Barns, nascida na Universidade de Berkeley, na Califórnia, é desenvolver tecido adiposo (gordura). O direcionamento veio a partir de observações de degustadores do hambúrguer de laboratório, de que era um pouco seco e com sabor diferente.
Outra barreira é a da regulação por parte das autoridades responsáveis. Nos Estados Unidos, o tema se divide entre a Food and Drug Administration (FDA), que fiscaliza alimentos e remédios, e o Departamento de Agricultura Americano (USDA, na sigla em inglês).
— Estamos trabalhando muito para levar adiante. Demos início às conversas sobre como será feito. Mas isso é algo que nunca foi realizado antes — reforça o co-fundador da Finless Foods.