Acostumado a privilegiar cortes nobres, o consumidor, em geral, desconhece uma indústria que ajuda a evitar doenças e a reduzir impactos no ambiente. Depois do abate e da separação das carnes nos frigoríficos, há uma série de “sobras” que precisam sair de frigoríficos e açougues, como gorduras, ossos, carcaças, vísceras e penas.
O trabalho desenvolvido pela indústria da reciclagem animal é pegar esse material, que só pode ser descartado diante de uma série de cuidados, e transformá-lo em novos produtos, que voltam ao mercado: são feitas farinha de carne, de ossos e de sangue, óleos, gorduras, gelatina e colágeno.
Júlio Barcellos, coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro), da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que normalmente as empresas terceirizam os serviços, mas há grandes frigoríficos que fazem parte do trabalho e vendem o excedente para as indústrias de reciclagem.
Os produtos são utilizados por diversos setores: farmacêutico (para cápsulas de medicamentos, vacinas e antibióticos), construção civil (em tintas, corantes e resinas), automotiva (para pneus e borrachas) e até esportiva (em suplementos de atletas). Ração animal, sabonetes e até perfumes e maquiagens usam o material.
O presidente executivo da Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra), Decio Coutinho, exemplifica que 28% do biodiesel produzido no país em 2018 utilizou gordura animal como insumo.
— Para a indústria, nossa matéria-prima é lixo, mas ela precisa tirar (o lixo) de lá. O sistema de abate em escala não seria possível sem a reciclagem. Então, um sempre vai depender do outro — diz Coutinho, que falou sobre o assunto na 14ª Jornada Nespro, na última terça-feira, e na sexta-feira, no 16º Agrimark Brasil, do I-Uma, ambos em Porto Alegre.
Iniciativa reduz custos e evita poluição do ambiente
Segundo o dirigente, muitos produtores se assustam quando percebem que o animal criado retorna como alimento para outros animais. Se o tema é desconhecido para parte dos pecuaristas, está mais distante ainda do público urbano. Esse é justamente um dos objetivos para os próximos anos: fazer o serviço ser mais próximo das pessoas.
— É um mercado que beneficia a sociedade como um todo. Sem a reciclagem, o material iria, possivelmente, para aterros sanitários, o que traria mais custos e poderia poluir solo, ar. Além das doenças que poderiam ser transmitidas — explica Coutinho.
É um mercado que beneficia a sociedade como um todo. Sem a reciclagem, o material iria, possivelmente, para aterros sanitários, o que traria mais custos e poderia poluir solo, ar.
DECIO COUTINHO
Presidente executivo da Associação Brasileira de Reciclagem Animal (Abra)
O dirigente ressalta que a matéria-prima vem de estabelecimentos fiscalizados por autoridades sanitárias oficiais.
No país, em 2018, foram processados 12,5 milhões de toneladas de resíduos, empregando cerca de 54 mil pessoas. O Produto Interno Bruto (PIB) do setor, segundo a associação, chegou a R$ 8 bilhões. O RS está em terceiro entre os Estados com maior número de empresas instaladas no ramo de reciclagem — são 15 em solo gaúcho, conforme a entidade. Santa Catarina e Paraná aparecem como os primeiros da lista.
Do total fabricado no país, apenas 3,5% vai para exportação. Mas a Abra projeta crescimento para 2019 e vem discutindo uma possível abertura ou reabertura de mercado com 13 países. Vietnã e Chile, que utilizam os produtos na ração de pescado, são importantes compradores.
Resíduo por animal
(em percentual do total de peso)
Pescado - 45%
Bovino - 38%
Suíno - 20%
Aves - 24%
Fonte: Abra
Exportação também é o foco do Grupo Fasa, um dos principais do ramo no país, com origem no Rio Grande do Sul. Segundo o diretor comercial, Robinson Henrique Huyer, a empresa, que tem quatro unidades no RS, recolhe material em cerca de 5 mil pontos no Estado — há outras plantas espalhadas em SC, MG e MS:
— É um mercado que vem crescendo. Nosso principal desafio é a exportação: hoje 30% do que produzimos vai para fora, principalmente para o Chile e países da Ásia.
O grupo coloca 50 mil toneladas de produto no mercado interno por mês. Os resíduos se transformam em farinhas — como de carne, ossos, sangue e penas —, óleos, graxa e sebo.