Principal parceiro da soja no sistema de rotação de culturas, o milho irá encolher ainda mais nesta safra nas lavouras do Rio Grande do Sul. Neste ano, os produtores deverão plantar a menor área da história: cerca de 730 mil hectares, segundo projeção da Emater. O número representa apenas 12% do total que será destinado à soja – ao redor de 5,7 milhões de hectares. A diferença acende novo alerta em relação aos riscos agronômicos e ao abastecimento das indústrias de aves e de suínos – que têm o cereal como produto base para criação dos animais.
O desestímulo em relação à cultura vem principalmente do mercado. O preço da saca de milho no Estado está girando em torno de R$ 25. Há exatamente um ano, a cotação chegava a R$ 43.
– A questão é econômica. O produtor precisa ter um mínimo de rentabilidade – diz Jorge Rodrigues, presidente da Comissão de Grãos da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul).
A área plantada neste ano deverá ser 11% menor do que em 2016, quando o preço do milho atingiu valores recordes por conta da escassez de oferta no mercado.
– Ou encontramos mecanismos para garantir a viabilidade da cultura, ou ficaremos nessa gangorra sempre – completa Rodrigues.
A perda de espaço do milho nas lavouras gaúchas não é de agora, vem se acentuando nos últimos quatro anos, quando a soja alcançou valorização recorde no mercado internacional. De lá para cá, a área vem encolhendo ano a ano (veja quadro).
A recomendação técnica é de que o produtor mantenha de 25% a 30% das áreas de soja rotacionadas com milho. Mas o que se vê na prática é bem distante disso.
– Não temos tido força para reverter esse quadro com argumentos técnicos, infelizmente – lamenta Alencar Rugeri, assistente-técnico estadual da Emater.
Produtor em Bozano, no noroeste do Estado, Marcos Costa Beber reduziu em 20% a área plantada com o cereal, na comparação com a safra passada. Serão cem hectares de milho e 700 hectares de soja. O baixo estímulo vem do preço em queda do grão, do custo mais elevado da lavoura e, ainda, do risco maior de perdas por problemas climáticos.
– Se ainda tivéssemos um seguro agrícola que nos desse um pouco mais de segurança para trabalhar – considera o produtor.
Plantio sucessivo da mesma cultura impacta no ambiente
Há quatro anos, o produtor plantava o dobro da área atual de milho. Hoje, com o preço mal cobrindo os custos de produção, relata que é difícil encontrar ânimo para continuar investindo na cultura.
Embora o cálculo feito pelo produtor hoje seja econômico e sobre consequências imediatas, especialistas alertam que os efeitos no ecossistema a médio e longo prazos também devem ser somados a essa conta.
– A ausência de rotação aumenta a incidência de plantas daninhas, de insetos e de doenças. E isso já é percebido nas lavouras que tiveram soja em cima de soja nos últimos anos – alerta o professor Alencar Junior Zanon, do Departamento de Fitotecnia do Centro de Ciências Rurais da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Zanon acrescenta que o plantio sucessivo da mesma cultura causa desequilíbrio do solo, que acaba recebendo sempre os mesmos nutrientes – além de prejudicar a própria produtividade da soja.
Em parceria com a Emater, a UFSM está pesquisando quais os fatores que limitam o aumento da produtividade do cereal no Estado – da deficiência hídrica, ataque de lagartas à época de semeadura. O projeto é desenvolvido por alunos de mestrado e doutorado da instituição.
– A pesquisa já está a campo e a ideia é traçar o melhor manejo para a cultura do milho no Estado, com o uso eficiente dos recursos disponíveis hoje – resume o professor.
Contrariando estatística, produtores aumentam área
Enquanto o Rio Grande do Sul diminui a área de milho ano a ano, a safrinha cresce no país. Plantada logo após a colheita da soja, nos Estados onde o clima permite, a segunda safra já passou dos 12 milhões de hectares. O aumento da oferta do produto, porém, não resolve o problema de abastecimento, já que o frete para trazer o cereal do Centro-Oeste até o Sul acaba saindo mais caro do que o próprio produto.
– O grande problema do Brasil é a logística deficitária. Não adianta ter milho sobrando em algumas regiões se o país não tem infraestrutura para escoar – critica Paulo Molinari, analista da Safras & Mercado.
Quebrando o ciclo ascendente dos últimos anos, a área da safrinha de milho deverá reduzir 3% em 2018, segundo projeção da Safras & Mercado. A queda prevista é pelo possível atraso no plantio da soja no Centro-Oeste e no Matopiba e pelo preço baixo.
Contrariando as estatísticas para a safra do Estado, o produtor Iomar Pedro Razera, de Passo Fundo, ampliou a área cultivada com milho: passou de 150 hectares para 220 hectares – metade irrigados. O estímulo veio de uma oportunidade de negócio de multiplicação de sementes para uma companhia.
– Me arrependi de não ter aumentado mais, pois o preço pode reagir no próximo ano – diz Razera, que conta com ajuda dos filhos Pedro Henrique, 25 anos, e Marcelo Iomar, 22 anos, para administrar os negócios.
Com mais de mil hectares cultivados com soja, a propriedade procura manter o percentual de 15% a 20% de rotação com milho.
– Os ganhos não são mensuráveis a curto prazo, mas nem por isso deixam de ser importantes – frisa o agrônomo Jorge Luis Busch, responsável técnico da propriedade.
Os resultados são a menor incidência de doenças de solo e de resistência a pragas, além de maior produtividade. Nas últimas três safras, alcançaram média de 72 sacas por hectare na soja, enquanto no Estado a média no período foi de 51 sacas. No milho, chegaram a 186 sacas por hectare, já a média dos três anos no RS foi de 118 sacas.