Para o presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), Gustavo Diniz Junqueira, a pecuária não passará imune pela crise, embora seja menos afetada. Formado em administração e mestre em finanças, ele avalia o momento como cauteloso, em especial para os criadores que trabalham com a engorda de gado.
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Junqueira palestrará na 10ª edição da Jornada do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva (Nespro), que ocorre a partir da próxima segunda-feira em Porto Alegre.
Como avalia o atual cenário para a pecuária?
É grave para o Brasil, de maneira geral. Obviamente, a pecuária pode sofrer menos, mas vai sofrer. Temos um cenário macroeconômico que faz com que custos de financiamento subam, e, com isso, também aumentem as taxas de retorno exigidas para qualquer negócio. A pecuária será menos afetada porque o valor da arroba subiu significativamente nos últimos 18 meses, e isso remunerou os que já tinham rebanho. Tem um risco agora para o invernista, para aquele que engorda o boi, não para quem trabalha com ciclo completo, se o mercado de carne não crescer.
Qual o impacto do recuo na demanda interna e nas exportações?
O mercado interno já sentiu o impacto da inflação. Com o menor poder de compra, o brasileiro substitui a carne por outras proteínas. Então, não vejo possibilidade de recuperação nos próximos meses. No mercado internacional, há vantagem de câmbio: a carne brasileira ficou muito mais barata que a carne mundial. No entanto, você ainda tem os problemas de comércio internacional. Não temos acordo firmados com a maioria dos grandes países.
É o momento para se investir?
Para o pecuarista que engorda terneiro, o momento é de cautela. Não acho que teremos valores da arroba do boi no mesmo valor que está sendo pago pelos terneiros. Toda essa pecuária ativa, de confinamento, tem de ser muito bem calculada na ponta do lápis para que o investidor não venha a perder dinheiro.
Quais as perspectivas de futuro da atividade?
São excelentes. O Brasil, de fato, mostra que é uma potência na produção de alimentos, mas isso vai ser feito às custas de uma profissionalização, uma tecnificação bastante grande, que vai exigir altos investimentos de capital. Cada vez mais você vai ter que ser maior para poder ter a remuneração apropriada. Obviamente, você tem um risco geral de Brasil, que é melhorar a questão da sanidade, abrir mercados de fato. Envolve muita negociação que o Brasil não está acostumado. O governo brasileiro está atrofiado nesta questão de negociação comercial.
Que orientações o senhor dá aos pecuaristas diante deste cenário de oportunidades?
A ideia é levar essa visão do produtor do futuro, que vai ser aquele que vai olhar a sua propriedade muito mais com uma visão empresarial, de remuneração do capital investido, do que basicamente de continuísmo de atividade. O Brasil provou que a nossa atividade pode ser otimizada a níveis jamais vistos no mundo. Você pode ter duas, três safras em uma mesma fazenda, uma pecuária intensiva, que traz segurança na geração de caixa, e, atrelado a isso, ainda um investimento de longo prazo, que seriam esses investimentos em floresta, em manejo sustentável de áreas ambientais. Ou seja, a propriedade passa a ter uma cara de empresa e, com isso, vamos começar a entrar em fase de questionamento da validade, da qualidade do sistema de crédito rural que temos hoje.
O acesso ao crédito é algo em que os produtores já enfrentam dificuldades.
Exato. A gente acabou deixando que o Estado entrasse cada dia mais dentro da nossa casa, da nossa atividade. E, agora, o Estado está quebrado, e a gente se vê refém desse parceiro que não mais tem aqueles recursos que já teve. O mercado, que vinha aumentando sua participação, ao longo dos últimos quatro anos, diminuiu. Agora, precisamos dele, e ele está fora. Vamos ter problema de financiamento para frente, justamente em um momento em que a tecnologia cada vez mais vai exigir capital.