Pela primeira vez no Rio Grande do Sul, o Congresso Internacional do Leite reunirá nesta semana, em Porto Alegre, produtores, indústrias, estudantes e pesquisadores. A programação vai de hoje a quinta-feira, no Centro da Fiergs, em Porto Alegre.
Promovido por Embrapa Gado de Leite, governo do Estado e Instituto Gaúcho do Leite (IGL), o evento terá participantes de Holanda, Argentina, Colômbia, Uruguai e Brasil. Serão discutidas ações em inovação, sustentabilidade, políticas públicas, gestão, sucessão familiar, assistência técnica e extensão rural.
Um dos palestrantes, Pedro Arcuri, articulador da Embrapa na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), falará sobre a sustentabilidade do setor. Em entrevista a ZH, ele defendeu mudanças como a melhoria da qualidade do leite para o Brasil ter papel maior no mercado mundial de lácteos.
Como a sustentabilidade na pecuária leiteira é vista no cenário internacional?
Nos principais países produtores de leite e lácteos, o conceito de sustentabilidade é tratado como uma necessidade e, ao mesmo tempo, excelente oportunidade de negócios. O termo "sustentável", em uma abordagem de atividade agropecuária, descreve sistemas de produção que sejam capazes de manter sua produtividade e utilidade para indefinidamente. Para isso, diversas instituições de produtores e indústrias, institutos de pesquisa e organismos de cooperação multilaterais propõem que as atividades produtivas sejam monitoradas quanto a indicadores ambientais, econômicos, e sociais. Isso permite que ajustes sejam feitos em diferentes etapas produtivas, de modo a garantir uso racional e eficaz dos recursos naturais, lucratividade e equidade social.
Como o Brasil pode aumentar as exportações do setor lácteo, ainda tímidas?
Na minha opinião, para o Brasil se tornar um exportador importante de leite, alterações estruturais significativas devem ocorrer na cadeia produtiva. A primeira delas é a melhoria da qualidade do leite entregue para processamento. Outra medida é uma maior organização da governança do setor, de modo que critérios de sustentabilidade sejam estabelecidos e cumpridos por todos os envolvidos. Enquanto vivermos casos de fraudes criminosas e concorrência selvagem no setor, será muito difícil nos tornarmos players importantes no comércio mundial em um futuro próximo.
Com a sexta maior produção de leite do mundo atualmente, o Brasil está bem distante dos líderes em produtividade. O que pode ser feito para tentar diminuir essa diferença?
É importante considerar que a maior parte da produção leiteira brasileira ocorre em áreas de clima tropical e em solos, em geral, pobres e ácidos. Portanto, esse tipo de ambiente é muito mais complicado para a atividade agrícola de um modo geral e, em especial, para a atividade leiteira. Por isso, provavelmente, nossa produtividade, com lucratividade, não atingirá os níveis dos países temperados com sistemas intensivos à base de confinamento praticamente exclusivo. Por outro lado, ao se monitorar propriedades, indústrias e serviços por indicadores de sustentabilidade, nota-se que é possível alcançar produtividade média maior. As perspectivas são de que o Brasil se manterá relativamente autossuficiente em leite e lácteos, sem significativas alterações estruturais. A produção deverá acompanhar o crescimento da demanda tanto da população quanto do consumo até atingir, em 2024, cerca de 84 quilos de lácteos por habitante, similar ao consumo
na América do Norte.
As barreiras sanitárias limitam a expansão do setor para novos mercados?
Sim, mas partindo do conceito mais amplo da qualidade do leite entregue para processamento.
O que é possível fazer para aumentar a qualidade do leite e o lucro do produtor?
Considero que se deve investir em educação, com criação de capacidades e competências para qualificar todo o tipo de mão de obra envolvido e garantir um elevado nível de governança. Creio ser fundamental o comprometimento com o conceito de sustentabilidade, a exemplo da Nova Zelândia e de outros países, para usar a metodologia de avaliação de indicadores de sustentabilidade que assegurem rentabilidade tanto do produtor quanto aos demais elos, respeitando ambiente, leis e regras comerciais brasileiras e internacionais.
O grande desafio da atividade é a profissionalização?
O Brasil é um país de contrastes. O setor leiteiro tem elevados níveis de profissionalização, que resulta na decisão de compra dos consumidores pelos inúmeros lácteos à venda. Mas muitos produtores ainda não reconhecem a importância de adotar tecnologias que irão permitir a intensificação sustentável da atividade, fragilizando, assim, toda a cadeia produtiva. Outros, intermediários e alguns poucos industriais inescrupulosos que fraudam leite e lácteos, igualmente reduzem a sustentabilidade do setor. E ainda há aqueles que deixam de pagar direitos sociais e desrespeitam leis, em vez de pressionarem seus representantes no Congresso para ajustarem estas leis à realidade atual. Todos esses constituem o contraste aos verdadeiros profissionais. A transformação desses em pessoas compromissadas, que sustentem o
desenvolvimento do setor, constitui o maior desafio.
Como funcionam os indicadores de sustentabilidade da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e como podem ser aplicados no Brasil?
A FAO coordena desde 2010 a Parceria para Avaliação Ambiental da Pecuária, para a qual a Embrapa contribui. O objetivo é realizar avaliações comparativas do desempenho ambiental de cadeias produtivas pecuárias. O resultado esperado é reduzir a confusão que pode ocorrer em razão da proliferação de metodologias para avaliação de impactos, especialmente os relacionados à questões ambientais. E, ainda, oferecer alternativas para melhorar o desempenho ambiental de sistemas de produção pecuários. Um primeiro resultado é a publicação Desempenho ambiental das grandes cadeias produtivas de ruminantes: diretrizes para avaliação. O documento servirá para estabelecer normas para o cálculo de uso de água, de combustíveis fósseis e da emissão de gases causadores de efeito estufa em cadeias produtivas de ruminantes.