Palco da maior tragédia climática de sua história, o Rio Grande do Sul será observado com lupa pelos olhos da comunidade internacional durante a COP29, em Baku, no Azerbaijão. Não apenas porque o Estado se tornou epicentro dos impactos devastadores de um planeta mais quente, com perdas humanas e econômicas, mas principalmente pela maneira como está respondendo ao desafio de aprender, a partir do desastre, a como lidar com eventos extremos que já se fazem presentes e tendem a aumentar no futuro.
É parte do que especialistas em temas climáticos chamam de “adaptação”, o processo de ajustar sistemas humanos e naturais ao comportamento do clima, tanto no presente quanto no futuro, com o objetivo de reduzir ou evitar danos potenciais, ou explorar oportunidades futuras. Outra palavra que aparece muito nos debates das COPs é mitigação - a redução das emissões de gases do efeito estufa para evitar ou reduzir a incidência da mudança no clima. Em ambos os temas, adaptação e mitigação, o RS está no centro das discussões.
O governador Eduardo Leite não irá a Baku, em razão da coincidência da agenda com a viagem que fará à China e ao Japão. Ele será representado na COP29 pela titular da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), Marjorie Kauffmann.
No vídeo, veja o que esperar do encontro no Azerbaijão
Em setembro, durante a Semana do Clima, em Nova York, a secretária teve uma amostra do interesse do mundo pela enchente gaúcha. Durante a Assembleia Mundial de Governos Locais, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), Marjorie apresentou dados sobre a tragédia, ressaltando a necessidade de uma governança climática. De lá para cá, não param de chegar convites para o governo participar de painéis na COP do Azerbaijão.
– A expectativa é de ampla participação do Estado, de espaço para demonstrar nossas experiências e captar recursos para estarmos melhor preparados e mais resilientes frente a essa nova etapa climática que o mundo enfrenta – comenta Marjorie.
O desastre no Estado ganhou ampla cobertura da imprensa internacional e soma-se a outros eventos extremos pelo mundo em 2024. Logo após a tragédia gaúcha, fortes chuvas alagaram cidades na Baviera e em Baden-Württemberg, na Alemanha, provocando rupturas de barragens e obrigando milhares de pessoas a deixar suas residências. No final de outubro, foi a vez de Valência, na Espanha, vivenciar a fúria das águas. Mais de 200 pessoas morreram na enxurrada.
Por isso, além de medidas emergenciais para reconstrução de infraestrutura, ambientalistas, pesquisadores e representantes dos poderes público e privado esperam trocar experiências durante a COP de Baku sobre como lidar com um planeta em transe.
No dia 14 de novembro, o governo estadual lançará, na COP29, uma plataforma que irá mapear e monitorar as ações de enfrentamento às mudanças climáticas nos municípios gaúchos. Para o desenvolvimento da plataforma, chamada de Road Map climático, foram investidos R$ 2 milhões por parte do governo, somados a R$ 125 mil de financiamento internacional.
Ferramenta de auxílio
O software fará um levantamento para nivelamento de ações que ocorrem nos 497 municípios e que busca não só conhecer, mas auxiliar os municípios nessa governança multinível, onde o Estado auxilia com capacitação, fomento econômico, mas principalmente conhecimento técnico e educação.
Desde a COP26, em Glasgow (Escócia), o Rio Grande do Sul tem se tornado mais protagonista nas discussões globais, ganhando espaço em paineis no estande oficial do governo brasileiro, nas conferências e ocupando debates internacionais. No último dia 28, Leite assinou contrato para elaboração do Plano de Transição Energética Justa do Estado. O projeto tem o objetivo de garantir que a mudança para energias renováveis e a descarbonização da matriz elétrica ocorram de maneira equilibrada, com justiça social e desenvolvimento econômico. Foi contratada a consultoria formada pelo consórcio WayCarbon e Centro Brasil no Clima, que irá elaborar o plano. O investimento é de cerca de R$ 2,3 milhões. O Estado tem o compromisso de neutralizar as emissões líquidas de gases de efeito estufa até 2050.
O foco dos estudos está na região carbonífera do Estado. Na visão do governo, o carvão, um combustível fóssil, é importante para a transição, sobretudo quando se fala em segurança energética. O governo também vem apostando em projetos de hidrogênio verde, energia eólica onshore e offshore, energia solar e sistemas de baterias.
Experiência de Porto Alegre em debate
Subjugada pela água, Porto Alegre também será observada com atenção pelos frequentadores do Estádio Olímpico de Baku, onde serão realizadas as conferências e debates da COP29. As imagens do Centro Histórico inundado e cartões-postais da capital do Rio Grande do Sul submersos correram o mundo. Na COP28, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente apresentou o estudo de risco e vulnerabilidade às quais Porto Alegre estaria sujeita entre 2030 e 2050. A lista inclui ondas de calor, deslizamento e erosão, secas meteorológicas, vetores de arboviroses (presença de mosquitos transmissores de doenças), tempestades e inundação fluvial. Como testemunhamos em maio, o futuro chegou antes de 2030.
– Ao mesmo tempo em que vivemos um desafio sem precedente, estamos olhando tudo isso como uma oportunidade. É o momento de a gente fazer uma reflexão bastante profunda sobre o futuro do crescimento da cidade, sobre os eventos extremos – avalia o titular da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm.
O secretário, que deve representar o prefeito Sebastião Melo em Baku, lista uma série de iniciativas implementadas pelo Executivo municipal para fazer frente aos desafios climáticos: instrumentos urbanísticos para reduzir emissão, certificação sustentável, terrários urbanos, inventário dos gases de efeito estufa e o próprio estudo de risco e vulnerabilidade da cidade.
– Temos uma agenda climática cada vez mais assertiva para estar cada vez mais preparado para responder essas ameaças. Só sobre a da inundação, são mais de R$ 20 milhões em contratos de prevenção e resposta.
A tragédia das águas de maio chama atenção para os outros riscos aos quais a metrópole está exposta, como as ondas de calor, que, recentemente, atingiram regiões centrais do Brasil, elevando a sensação térmica nas cidades para mais de 60ºC e provocando incêndios.
Uma das iniciativas que o governo deseja apresentar na COP é o Plano de Ação e Adaptação Climática. As experiências de Porto Alegre também servirão para busca de apoio, conhecimento técnico e recursos financeiros.
Desafios e oportunidades na transição energética
No evento Pré-COP29 - De Baku a Belém, em outubro, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) apresentou os principais destaques do posicionamento da entidade que será levado à COP29. O vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul), Domingos Velho Lopes, entende que o documento reflete os anseios e pontos de vista do agronegócio sobre as principais pautas da agenda climática mundial, como o financiamento climático, a meta global de adaptação, mercado de carbono e acordos multilaterais não negociados.
– O agro é um setor crucial para o cumprimento das metas do acordo do clima e da Agenda 2030. Tem sido uma constatação nas conferências do clima que o agro brasileiro tem posição determinante no cumprimento das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) do Brasil e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – afirma.
Para Lopes, não se pode dissociar o desafio das mudanças climáticas da preocupação com a segurança alimentar:
– Nesse quesito, o agro brasileiro tem uma posição muito determinante e para isso é fundamental que nós possamos cada vez mais investir em inovações tecnológicas para que a nossa agricultura seja cada vez mais eficiente e resiliente diante desse contexto de agravamento das mudanças climáticas.
Também a indústria tem uma ampla agenda na COP29. Em nível nacional, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) considera prioritário para as negociações avançar na agenda de adaptação às mudanças climáticas, iniciar a operacionalização do mercado global de carbono e mobilizar os países para o financiamento climático. Empresas que irão participar da conferência apontam desafios e oportunidades da descarbonização da economia.
Empresas do setor de gás natural identificam o produto como combustível de transição energética – embora fóssil, polui menos do que o petróleo. Também cresce o protagonismo do biogás e biometano como combustíveis renováveis produzidos a partir da decomposição de resíduos orgânicos.