Assim como no caso da fauna, a lista das espécies da flora gaúcha ameaçadas de extinção não é atualizada há uma década. O decreto estadual nº 54.171/2018 prevê, no entanto, “revisão periódica e bienal”. Em 2014, havia 804 espécies na lista – o número, contudo, já deve ter aumentado, segundo especialistas. Sete já foram extintas.
A última lista foi capitaneada pela extinta Fundação Zoobotânica (FZB) e hoje é responsabilidade da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) do Rio Grande do Sul.
As famílias de cactos, bromélias e orquídeas têm um grande número de espécies ameaçadas, segundo botânicos. Elas também são alvo de coleta e comércio ilegal.
A araucária e os butiás também estão sob grande ameaça, devido à exploração. Além disso, as espécies de campo estão em uma situação bastante vulnerável. Professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), João Iganci destaca, entretanto, que a maioria das espécies nunca foi avaliada.
A lista é importante para a manutenção da biodiversidade, a elaboração de políticas públicas e a definição de uso do território, conforme especialistas. Eles reconhecem que a atualização é um processo trabalhoso e demorado, pois envolve conhecimentos aprofundados e muitos profissionais. Quando demora para ocorrer, contudo, acontecem mudanças em categorias, e novas descrições ficam de fora.
A falta de atualização pode ter impactos na preservação das espécies, já que a lista – que pode estar defasada – é utilizada para licenciamentos ambientais, conforme os especialistas. Outro impacto se dá no delineamento das áreas onde pode ocorrer avanço econômico e das que devem ser preservadas – e desenvolvidas a partir de atividades sustentáveis, como turismo, salienta Iganci.
Impacto da biodiversidade
A sociedade depende da biodiversidade, pois ela presta serviços essenciais para a existência humana, como a polinização, que depende das plantas e abelhas e impacta as safras, lembra Pedro Maria Ferreira, professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
As espécies se tornam ameaçadas por fatores naturais, como a restrição de sua ocorrência e a existência de populações muito pequenas e raras; e pela atividade humana, com a redução do habitat e de populações, explica Ferreira. O fator humano tem um peso maior – sobretudo no desmatamento e descampamento.
— A gente vai degradando cada vez mais a biodiversidade e, cada vez mais, vai haver espécies ameaçadas e, infelizmente, mais espécies extintas da natureza também — lamenta.
Interesse econômico como aliado
Segundo Iganci, o conhecimento sobre as espécies oferece inúmeras possibilidades de uso, como fins medicinais, alimentícios, para assegurar e melhorar a agricultura e outros ainda desconhecidos. Além disso, a biodiversidade é hoje um bem valioso e serve como balizador para o comércio internacional.
Professor do Departamento de Botânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coordenador do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), Paulo Brack defende o uso econômico da biodiversidade, que, em sua opinião, vem sendo mal aproveitada no Brasil e exportada. Portanto, o interesse econômico pode ser um aliado, e não um inimigo.
— O imediatismo econômico é o problema. Se quer ganhar muito dinheiro em curto prazo, e aí se expandem as monoculturas, que são uma das principais ameaças à nossa biodiversidade. Não é só conservar para conservar, deixar lá. A gente quer também que isso esteja na economia, porque é ela que vai fazer a diferença, é o maior vetor de degradação do meio ambiente e de extinção de espécies — explica.
Brack também defende o estabelecimento de metas relacionadas aos objetivos de desenvolvimento sustentável 2030 da ONU – como atualizar com maior frequência as listas, ter listagens municipais, aumentar as áreas protegidas, planejar a propagação das espécies e limitar atividades de alto impacto.
Membro do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), Brack afirma que os ambientalistas estão cobrando agilidade da Sema na atualização das listas. O professor lembra, porém, que não adianta só elencar espécies – é preciso monitorá-las, avaliando também a possibilidade de propagá-las. O maior problema, na visão de Ferreira, é a não utilização da lista para políticas públicas. O professor da PUCRS cobra investimento público para tal.
O que diz a Sema
Procurada pela reportagem, a Sema informou, por nota, que trabalha para atender as premissas da resolução n° 418/2020 do Consema. A pasta afirmou que está na “fase final de concepção do sistema Lista Vermelha (Live)”, que suportará, de forma digital, os critérios estabelecidos na resolução e pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), possibilitando documentar as informações, com recursos de geoprocessamento, e agilizar o processo de deliberação.
A Sema informou que coordena inúmeros projetos de conservação das espécies, como:
- Plano de Ação Territorial (PAT) para a conservação de espécies ameaçadas de extinção do Planalto Sul (Mata Atlântica) e Campanha Sul e Serra do Sudeste (Pampa)
- Plano de Ação Nacional (PAN) das Lagoas Costeiras do Sul (com o ICMBio)
- Projeto Rota dos Butiazais coordenado pela Embrapa, com foco em oito espécies ameaçadas de butiás do RS
- Projetos de compensação ambiental, com foco em conservação de espécies ameaçadas
- Monitoramento de espécies ameaçadas em unidades de conservação e em áreas privadas importantes
- Banco de sementes e viveiro de mudas de espécies nativas do RS
- Coleção científica de espécies vivas, com status de ameaça considerável no RS
O Jardim Botânico de Porto Alegre também trabalha com espécies ameaçadas de extinção (confira no vídeo).
Fundação Zoobotânica
Para os especialistas, a extinção da Fundação Zoobotânica tem impacto na demora para a atualização da lista. Os pesquisadores apontam, ainda, que as estruturas do Jardim Botânico e do Museu de Ciências Naturais estão precárias e que houve diminuição de cargos, sendo necessário retomar e fortalecer essas instituições para monitorar a biodiversidade. A Sema, por sua vez, afirma que todas as atividades promovidas pela FZB tiveram continuidade e foram absorvidas pela Sema, assim como os seus servidores.