As cidades de Mongaguá e São Vicente, na Baixada Santista, litoral de São Paulo, estão nos dois primeiros lugares do ranking das praias mais poluídas com plásticos de toda a costa brasileira. É o que aponta um estudo inédito realizado pela Sea Shepherd Brasil, organização de conservação marinha, em parceria com o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP). O estudo analisou 306 praias de todo o litoral brasileiro.
Mongaguá é a primeira em microplásticos e São Vicente lidera em macrorresíduos. São duas categorias diferentes da poluição por plásticos.
Em praias de São Vicente foram encontrados 10 resíduos plásticos por metro quadrado de areia. Em Mongaguá, o cenário foi considerado mais alarmante, com a presença de 83 fragmentos de microplástico por metro quadrado.
A reportagem procurou as prefeituras de Mongaguá, São Vicente e Florianópolis e ainda aguarda retornos.
Expedição Ondas Limpas
O projeto Expedição Ondas Limpas percorreu as praias de 201 municípios dos 17 Estados da costa brasileira analisando a presença de plástico ao longo de 7 mil quilômetros de litoral, do Rio Grande do Sul ao Amapá.
O trabalho de campo foi realizado de abril de 2022 a agosto de 2023. A análise dos dados colhidos mostrou que:
- 100% das praias do Brasil contêm resíduos plásticos, como embalagens e tampas de garrafas
- 97% apresentam microplásticos - partículas inferiores a 5mm;
- Do total de resíduos achados nas praias, 91% eram plásticos, percentual superior à média mundial, de 70%, segundo o estudo
- Entre os resíduos mais encontrados, os filtros de cigarro representaram 25% do total
Rio Grande do Sul e Santa Catarina no cenário nacional
No Brasil, a região Sudeste lidera em resíduos plásticos maiores, chamados de macro resíduos. Já em macro plásticos (pedaços grandes de plástico), a região Sul empata com o Sudeste. Além disso, o Sul se destaca com uma quantidade maior de microplásticos (pequenos fragmentos de plástico) em comparação com outras regiões.
A praia de Pântano do Sul, em Florianópolis, é a que mais se destaca em termos de poluição por macro resíduos, macro plásticos e microplásticos, com mais itens do que em qualquer outra, segundo o estudo.
A Praia do Rizzo, também em Florianópolis, aparece como a terceira mais poluída por microplásticos, precedida apenas pela Praia do Centro, em Mongaguá.
A Praia das Vacas e Itaquitanduva, ambas localizadas em uma área de proteção integral, em São Vicente, são as segundas mais afetadas no ranking de macro plásticos
Os apetrechos de pesca, como redes, linhas e boias, representam um em cada 10 itens encontrados na costa brasileira, indicando falhas na fiscalização, especialmente em áreas de proteção integral, segundo o estudo. Esses materiais correspondem a 11,2% dos plásticos e 10,3% de todos os itens analisados.
Três cidades do Rio Grande do Sul foram citadas no Expedições Ondas Limpas. Arroio do Sal é a quarta cidade brasileira com maior densidade de microplástico por metro quadrado. Esse parâmetro também é destaque negativo em Imbé. A praia de Mariluz aparece em quinto lugar entre os locais onde mais foram encontradas partículas do resíduo por metro quadrado.
Já Santa Vitória do Palmar é citada positivamente. O município da Região Sul ocupa o quarto lugar entre as cidades onde há menos presença de macro e microresíduos na área litorânea: a cada metro quadrado do município, os pesquisadores encontraram 0,02 resíduos de microplásticos e 0,03 de macro.
O Rio Grande do Sul destaca-se com uma quantidade de resíduos relacionados a apetrechos de pesca três vezes superior à média nacional.
Estados com pequena faixa litorânea também sofrem com poluição
Mesmo Estados que têm uma pequena faixa de litoral, como Piauí e Paraná, não escapam do problema. Esses Estados lideram o ranking de microplásticos, com uma média de 10 fragmentos por metro quadrado, o dobro da média nacional.
O Estado do Rio Grande do Norte é notável por sua elevada taxa de macrorresíduos, com três de suas cidades figurando entre as cinco mais poluídas do país.
No Brasil como um todo, 91% dos resíduos coletados nas praias são plásticos, mas no Sul esse número é ainda maior, chegando a 95%, a maior porcentagem de todas as regiões.
Conforme o estudo, em meio a um cenário preocupante de poluição por plásticos nas praias brasileiras, Turiaçu, no Maranhão, se destacou como um oásis, com a ausência completa de microplásticos e níveis mínimos de macrorresíduos.
Praias urbanas têm mais lixo
Conforme a Sea Shepherd, o estudo é o de maior abrangência já realizado no Brasil para estudar o perfil do lixo marinho na costa brasileira. "Observamos que praias localizadas em áreas urbanas, onde há mais pessoas e mais atividade humana, tendem a ter mais microplásticos. Por outro lado, em praias de áreas suburbanas e rurais, que têm menos pessoas e menor movimento, encontramos menos microplásticos", aponta o relatório.
Os pesquisadores observam que outros fatores, como a proximidade de rios e o transporte de resíduos pelo mar, podem interferir nessa presença de microplásticos.
"Embora a quantidade de pessoas na região seja um fator importante, não é o único que devemos considerar. Importante realçar que estes resultados são preliminares, no entanto, os achados atuais fornecem uma valiosa perspectiva inicial, que será aprofundada em breve no estudo final", diz o relatório.
O documento alerta que, embora o estudo apresente um ranking das praias mais poluídas, os resultados devem ser considerados com cautela, devido à menor representatividade do tamanho das amostras em algumas áreas. "Ainda assim, esses dados fornecem uma fotografia indicativa relevante para gestores locais, ajudando a orientar ações de limpeza e preservação", diz o relatório.
Ação da natureza reduz plástico a pequenas partículas
O estudo destaca que o plástico lançado diretamente nas praias ou carreado pelos rios que deságuam no mar são expostos à radiação solar, que degradam suas ligações químicas, tornando-os quebradiços.
Organismos marinhos, como cracas, também podem se prender aos plásticos, enfraquecendo o material. O impacto das ondas e a abrasão da areia desgastam o plástico, reduzindo a pequenas partículas que entram facilmente na cadeia alimentar das espécies marinhas.
"Este projeto é um urgente chamado para entendermos de fato a situação do plástico de maneira aprofundada e abrangente. Temos a ambição de seguir lutando para que projetos de lei importantes como o PL 2524/2022 do Plástico e o PL 1874/ 2022 da Economia Circular no Brasil, assim como o Tratado do Plástico em negociações internacionais entre diversos países no âmbito da ONU, sigam evoluindo para a implementação", diz, no relatório. O PL do Plástico está em tramitação no Senado Federal. Já o PL da Economia Circular aguarda análise na Câmara dos Deputados.
A reportagem entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas e aguarda retorno. As secretarias estaduais de meio ambiente de São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Piauí e Paraná também foram procuradas e ainda não responderam.
Raio-X dos resíduos na costa brasileira
- 306 praias estudadas e 201 municípios cobertos
- 156,6 mil metros quadrados de área analisada (equivalente a 22 campos de futebol)
- 91% dos resíduos são plásticos; 61% plásticos de uso único, 22% plásticos de longa vida e 17% apetrechos de pesca
- 97% das praias têm microplásticos
- 100% das praias têm resíduos (lixo) - Foram coletados 16 mil fragmentos de microplástico e 72 mil microrresíduos
- Em média, são 4,5 microplástico por metro quadrado e 0,5 macrorresíduo por metro quadrado nas praias brasileira
- Um em cada 12 itens é filtro de cigarro