O período de seca que afeta diferentes Estados brasileiros e dificulta o controle das queimadas na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal vem gerando impactos em áreas não atingidas diretamente por esses problemas. Um exemplo é a fumaça que tem sido vista no Rio Grande do Sul desde agosto. As situações podem ter outros reflexos futuros, ainda difíceis de prever.
Além do grave dano ambiental que as queimadas causam, o meteorologista Marcelo Seluchi, coordenador-geral de Operação e Modelagem do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), comenta que a situação também gera riscos à saúde, já que a qualidade do ar está “imensamente degradada em algumas regiões” — o que pode agravar condições respiratórias, conforme pneumologistas consultados pela reportagem de Zero Hora.
Assim como o RS, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, São Paulo, Amazonas, Rondônia e Acre registraram a fumaça pelo menos uma vez ao longo de agosto. O fenômeno decorrente dos incêndios pelo Brasil e em países vizinhos, como Paraguai, Argentina e Bolívia, retornou ao território gaúcho nesta terça (3) e sua presença deve se intensificar na quarta-feira (4).
— A fumaça vai ser mais grave ou mais notável quando tivermos frentes frias sobre o Uruguai, Rio da Prata e Argentina, porque aí o vento de Norte e Noroeste vai carregar a fumaça da Amazônia e da Bolívia para o Rio Grande do Sul. Normalmente, situações de mais calor e mais baixa umidade também vão trazer fumaça. Então, antes da passagem da frente fria e da chuva, piora, depois passa e melhora — explica Seluchi.
Conforme o meteorologista, a vantagem do RS é que há essa alternância no tempo, o que não ocorre nos Estados que estão dentro da área mais seca do Brasil, deixa o cenário praticamente igual todos os dias. Seluchi destaca que a situação da fumaça está estabilizada, com pouca previsão de mudança, uma vez que setembro deve ser um mês seco e o que poderia apagar os focos de incêndio, melhorando a qualidade do ar, seria a chuva.
Pedro Maria de Abreu Ferreira, professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), afirma que é natural que a fumaça venha do Norte em direção ao Sul devido à circulação atmosférica. Isso ocorre em função do fluxo que traz o ar úmido da Amazônia para o centro-oeste e para o sul do Brasil no verão, por exemplo. A diferença é que, agora, está trazendo vestígios dos incêndios.
Outros impactos
Os especialistas consideram improvável que haja outros impactos a curto prazo no Rio Grande do Sul. Na visão de Ferreira, a probabilidade de focos de incêndio migrarem do Centro-Oeste para o território gaúcho é praticamente nula, devido à distância.
O professor da PUCRS esclarece que, em algumas regiões do RS, proprietários rurais usam fogo como ferramenta de manejo de pastagens, por exemplo, para que ocorra a renovação da vegetação. Isso costuma ocorrer no final do inverno, em regiões como os Campos de Cima da Serra, mas é totalmente diferente dos incêndios na Amazônia, enfatiza:
— Tem uma legislação em que o proprietário rural pode, junto ao órgão ambiental, solicitar uma autorização para queimar. Então, pode queimar de forma legalizada, é completamente diferente de fogo em floresta. Claro que tem algum risco dessas queimadas saírem do controle, mas, na nossa região, o histórico disso é muito, muito pequeno.
Ferreira ressalta também que a época de seca no norte do Brasil ocorre agora, durante o inverno — período que costuma ser bastante chuvoso no Sul. Já a estiagem, chega ao território gaúcho no decorrer da primavera e do verão, causando problemas que já são recorrentes, como falta de água e quebra de safra, mas sem relação direta com incêndios.
Professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Valério Pillar acrescenta que o RS passou por um período extremamente chuvoso, então a vegetação e o solo ainda estão muito úmidos. Isso torna o cenário gaúcho diferente do restante do país, onde uma seca histórica atinge áreas em mais da metade dos Estados.
— Nas condições atuais, não há risco dessas queimadas se estenderem para cá. Não há essa possibilidade. Não sabemos como vai ser o verão, se tivermos um verão muito seco pode acontecer de haver queimadas aqui. Mas, neste momento, não — destaca.
Entretanto, não há como saber quais os possíveis efeitos futuros da manutenção dessas queimadas e da entrada de fumaça na atmosfera para o Rio Grande do Sul, pondera Ferreira.
— Em ecologia e biologia da conservação, falamos muito da ideia de que, na dúvida, não alteramos o ecossistema, porque não sabemos o que vai acontecer. É o princípio da precaução. Deveríamos pensar mais nesse princípio, porque não sabemos o reflexo futuro desse aporte de áreas queimadas — finaliza o professor da PUCRS.