Uma seca histórica que atinge áreas em mais da metade dos Estados brasileiros e dificulta o controle de incêndios florestais, que levam fumaça até para territórios não afetados pelo fogo. Assim pode ser resumido o atual cenário ambiental do Brasil, que vem preocupando especialistas de diferentes setores por gerar impactos negativos não apenas na fauna e na flora, mas também na saúde e na economia.
Dados divulgados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) na última semana apontam que 17 Estados têm áreas onde o período de maio a agosto de 2024 foi o mais seco em pelo menos 44 anos. As unidades federativas mais afetadas estão nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, como Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e São Paulo.
Essas áreas abrangem os biomas Amazônia, Pantanal e Cerrado, que vêm enfrentando incêndios florestais. De acordo com o Cemaden, a seca tem dificultado o controle das queimadas — a maioria com origem em atividades humanas.
O Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aponta que, somente em agosto deste ano, satélites registraram mais de 68 mil focos de incêndio ativos em todo o país — o maior número para o mês desde 2010. No domingo (1º), havia 4.117 focos ativos.
Os incêndios registrados nessas áreas e em países vizinhos, como o Paraguai, a Argentina e a Bolívia, são responsáveis pela fumaça que atinge também os Estados que não estão sendo diretamente afetados pelo fogo, como Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A exposição ao ar contaminado pode trazer prejuízos à saúde e demanda cuidados para evitar agravos respiratórios, ressaltam especialistas.
Valério Pillar, professor do Departamento de Ecologia do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica que é necessária a união de três condições para que as queimadas ocorram: acúmulo de biomassa, clima que favoreça que a vegetação fique seca e inflamável e uma fonte de ignição (o que dá início ao fogo).
— Estão ocorrendo mais queimadas em parte porque tem mais pessoas colocando fogo, mas também tem que ser considerado que, se a vegetação não estivesse tão seca, as queimadas não seriam tão extensas e intensas. Então, o período mais seco do que o normal favorece a extensão e a intensidade dessas queimadas — destaca.
O especialista também ressalta que as queimadas ocorrem em diferentes tipos de vegetação e, portanto, têm impactos distintos. Na Amazônia, por exemplo, onde os ecossistemas são mais sensíveis, a regeneração é muito mais lenta do que no Cerrado, mais resiliente a esse tipo de perturbação.
— Essas queimadas não estão conectadas entre si, a conexão que há entre elas é o clima extremamente seco, mas elas têm origens variadas. As condições climáticas é que estão favoráveis para que se estendam além do normal. O período excepcionalmente seco faz com que se estendam muito mais e causem muito mais danos — enfatiza Pillar.
O meteorologista e coordenador-geral de Operação e Modelagem do Cemaden, Marcelo Seluchi, concorda. A baixíssima umidade e a secura da vegetação e do ar facilita a propagação do fogo. De acordo com o especialista, há uma questão sazonal já conhecida, mas a estação chuvosa que deveria encerrar entre abril e maio, terminou no final de março — ou seja, o período seco foi antecipado.
Além disso, a previsão indica que essa situação ainda deve se prolongar.
— O que vemos, olhando as imagens de satélites, é que tem muito fogo no Pará, especialmente no centro-sul do Pará, no Amazonas, no Mato Grosso, em Rondônia e no Acre. Esses são os Estados com piores cenários — comenta.
Consequências
A primeira consequência desse cenário é ambiental, destaca Seluchi, já que os incêndios acabam com a fauna e a flora do país:
— Isso obviamente é um grande problema, porque pode demorar muito tempo para se regenerar, se é que se regenera da mesma forma. Então, há um dano ambiental muito grave. Há também danos à saúde, porque a qualidade do ar está imensamente degradada em algumas regiões e se torna muito difícil respirar.
Conforme o meteorologista, a fumaça também causou problemas à aviação, pois aeroportos fecharam para voos e decolagens, e ao trânsito.
Pedro Maria de Abreu Ferreira, professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), reitera que essa é uma época naturalmente mais seca na região, mas lembra que a situação está relacionada às mudanças climáticas e ao decorrente aumento da frequência e da intensidade dos eventos extremos.
O docente comenta ainda que é natural que a fumaça venha do Norte em direção ao Sul pela circulação atmosférica. Isso ocorre em função do fluxo que traz o ar úmido da Amazônia para o centro-oeste e para o sul do Brasil na época úmida do verão, por exemplo. A diferença é que, agora, está trazendo vestígios dos incêndios na região.