A expansão de um banco de areia no Guaíba, em Porto Alegre, motiva posicionamentos contraditórios de estudiosos e autoridades.
Parte deles define o local como problemático para embarcações no futuro e um risco em caso de uma nova enchente, o que justificaria uma intervenção.
Outros defendem que a formação da ilha é um processo natural, que não significa risco a Porto Alegre nem deve ser retirada de onde está.
O local fica próximo à Ilha das Balseiras, de onde é possível observar a região central e o extremo-sul da Capital. A situação foi mostrada por Zero Hora na quarta-feira (24).
Segundo Elírio Toldo Jr, pesquisador do Centro de Estudos de Geologia Costeira e Oceânica (Ceco) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a ilha já existia antes da crise climática de maio.
A parte visível é resultado do acúmulo de sedimentos carregados pelo escoamento da água da bacia hidrográfica, acentuados no ciclo da enchente.
— A mecânica de crescimento é a mesma das outras ilhas do arquipélago. A declividade geral do terreno é pequena, o que favorece o acúmulo dos sedimentos formadores das ilhas nos baixios (partes com pouca profundidade). É um processo lento e natural que seguirá para o interior do Guaíba — pontua.
O professor ressalta que o crescimento do banco de areia não significa prejuízo ao canal por onde passam os navios, na parte mais profunda do curso d'água.
A nova ilha também não preocupa em caso de cheias: para o estudioso, uma nova enchente na Capital não ocorreria por conta da formação de bancos de areia nos baixios, conforme o pesquisador.
Francisco Milanez, diretor-técnico e científico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), afirma ser contrário à ideia de que o crescimento do banco de areia deva ser freado por meio da intervenção humana.
— A ilha é uma manifestação do arquipélago, uma formação arenosa estável, resultado da hidrodinâmica dos rios. Não há nada de anormal uma nova ilha ser criada. Isso não justifica a dragagem, porque seria o mesmo que enxugar gelo — pontua.
Argumentos pelo desassoreamento
O posicionamento do Consórcio Metropolitano Granpal é de preocupação quanto ao aparecimento do banco de areia. A entidade, que reúne 17 municípios, defende uma política de desassoreamento na região.
— A dragagem é urgente. Em épocas de seca, há sérios riscos de a operação do Catamarã ser interrompida, porque bancos de areia vão surgir a todo instante ao longo do Guaíba — diz Marcelo Maranata, presidente do consórcio e prefeito de Guaíba.
Segundo Maranata, a Granpal quer a conclusão do zoneamento ecológico-econômico, de responsabilidade da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). Existe uma proibição à mineração da areia na área até que seja concluído esse trabalho, fato que contribui para o assoreamento do lago, na avaliação da entidade.
Conforme Marcelo Dutra, doutor em ciência e professor de Ecologia na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), o crescimento da nova ilha deve motivar iniciativas para o longo prazo.
— Não houve mudança na dinâmica do lago (agora), mas vamos observar alterações drásticas se esse material não for retirado ou se novas entradas não forem evitadas. Estamos perdendo a capacidade de navegação e vamos ver isso acontecer com mais frequência se nada for feito — pontua.
O ecólogo afirma que o desassoreamento do Guaíba é uma opção para evitar danos no futuro. Para ele, o processo deveria funcionar como uma espécie de fundo, no qual parte do recurso da areia extraída por empresas seria utilizado na recuperação de áreas degradadas pela presença humana.
O que dizem instituições e autoridades
Para a CatSul, a nova ilha não altera a travessia hidroviária entre Porto Alegre e Guaíba, feita por 1,1 mil pessoas por dia no Catamarã.
— Não interfere em nada a nossa operação, visto que andamos estritamente dentro do canal de navegação, que fica distante do banco de areia — afirma Carlos Bernaud, diretor de operações da empresa.
Por meio de uma nota, a Portos RS, que possui gerência no canal de navegação, informou que o banco de areia está distante da hidrovia e não atrapalha o fluxo de embarcações.
A Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) disse que o aumento da área do banco de areia é um fenômeno natural. A pasta ainda informou que há estudos em andamento para dimensionar o impacto das cheias nos cursos d’água da região. A iniciativa destinará R$ 300 milhões para o desassoreamento no Plano Rio Grande.
A Sema informou que a conclusão de estudos técnicos para elaboração de zoneamento ambiental da Fepam tem previsão de ser concluída até dezembro.
A prefeitura de Porto Alegre enviou a seguinte nota à reportagem sobre a nova ilha:
"A porção de areia que se acumulou no Guaíba depois que o nível do lago normalizou é considerada um banco de areia pelos técnicos da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade. Ele tende a seguir seu curso devido à erosão causada pelo fluxo constante de água e a variação dos ventos na região."