O maior evento de movimentos de solo e rocha já ocorrido no Brasil foi registrado no Rio Grande do Sul nas últimas semanas. A constatação é resultado de um mapeamento que está sendo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), levando em conta o acúmulo de chuvas que atingiu o Estado entre 27 de abril e 13 de maio. Até o momento, já foram encontradas 5 mil cicatrizes – marcas dos movimentos de massa no terreno – na área analisada. A estimativa é de que possam ser superados 12 mil pontos.
- Foram 5 mil cicatrizes identificadas até agora, com 40% da área analisada
- Previsão é de que sejam encontradas mais de 12 mil ocorrências
- No RS, último grande evento havia registrado 335 cicatrizes, em 2017
Por enquanto, os dados obtidos são relativos a 40% da região total a ser verificada, chamada de Região Hidrográfica do Guaíba. São cerca de 12 mil quilômetros quadrados examinados, incluindo as bacias do Caí, Sinos, Pardo, Alto Jacuí, Vacacaí-Mirim e Taquari-Antas. Esta última, inclusive, é a que concentra o maior índice de cicatrizes. As descobertas podem ser usadas como apoio para a tomada de decisões de prefeituras e outros órgãos.
De acordo com o coordenador do projeto, o professor do Instituto de Geociências (IGEO) Clódis de Oliveira de Andrades-Filho, o mapeamento dos movimentos de massa por imagens de satélite está permitindo que as equipes que atuam em campo na avaliação de risco geológico possam melhor planejar e detalhar as suas análises.
— As comunidades que vivem nas encostas ainda precisam de muito apoio com relação à avaliação da segurança de suas casas e das propriedades rurais. São dezenas de municípios que estão nessa condição e que necessitam de suporte técnico para as decisões emergenciais — explica.
Mesmo com menos da metade das análises concluídas, o professor aponta que o evento no Rio Grande do Sul já ultrapassou os deslizamentos na região serrana do Rio de Janeiro em 2011. Na época, foram em torno de 4,3 mil cicatrizes. A diferença, porém, é que a área de concentração no estado fluminense era menor, aqui a abrangência é considerada maior.
Em termos comparativos, o último episódio de grande magnitude de movimentos de massa no RS foi em 2017 na região de Rolante, Vale do Paranhana, com 335 cicatrizes registradas.
Trabalho de apoio aos municípios levará anos
As alterações no solo são encontradas por meio da análise de imagens de satélite em altíssima qualidade. De acordo com o professor, elas possuem resolução espacial e conseguem captar todos os objetos a partir de 40 centímetros de tamanho. O material é cedido de forma emergencial pela Diretoria de Serviço Geográfico (DSG) do Exército Brasileiro, que tem parceria com a Agência Nacional de Inteligência Geoespacial (NGA) dos Estados Unidos.
Além de verificar os mapas, a equipe da UFRGS realiza saídas de campo para acompanhar a situação in loco. Municípios como Santa Tereza, Putinga, Ilópolis e Arvorezinha já receberam os pesquisadores. Na sexta-feira (21), foi a vez de Nova Petrópolis, na Serra.
— O trabalho de mapeamento por satélite deve seguir por cerca de dois meses. Mas o apoio para a reconstrução dos municípios vai se estender por alguns anos. Começamos focando a nossa energia no Vale do Taquari-Antas, mas vimos que é preciso avançar, porque não é só a emergência que é importante — avalia. O professor lembra que há cidades tendo que estudar o reposicionamento de áreas, com a definição de parâmetros para as moradias.
Em meio ao evento climático que atingiu o RS, ocorrências como o asfalto que cedeu em Gramado, deslizamento de blocos em Galópolis, Caxias do Sul, e a queda de barreira na RS-122, em Bom Princípio, preocuparam. Porém, mais de um mês depois e com novos registros de chuva, a situação segue gerando sinais de alerta. Na última semana, casos foram verificados, ao menos, na BR-116, em Caxias do Sul, na cidade de Mato Castelhano e em Nova Santa Rita.
— A recomendação é que se preserve a segurança. Nos momentos de chuva, pede-se que as pessoas não fiquem na área. Que saiam, vão para a casa de familiares e amigos. Ao retornar, é necessário observar questões como: se houve desestabilização ou se o terreno suportou as chuvas — detalha o coordenador.
As buscas por desaparecidos seguem, também utilizando os mapas elaborados, assim como ocorreu no momento dos resgates. Já a análise de riscos geológicos vai auxiliar na definição sobre viabilidade da permanência de moradores no local, como a adaptação de estradas.
Sinais de alerta
O professor lembra que, diferentemente das inundações, os movimentos de solo oferecem menos tempo de resposta e, por isso, são mais fatais. É necessário observar sinais de alerta:
- Estrondos: a população relata ouvir estalos vindos da encosta, podendo ser estrondos altos, dependendo do tamanho da ruptura
- Desestabilizações: notadas a partir da inclinação de postes, árvores e, por vezes, da própria plantação, em áreas agrícolas
- Água no solo: observar as mudanças de comportamento. Locais em que há surgência de água e onde ela para de correr, ou mesmo o oposto
Tipos de movimentações encontradas
Conforme Andrades-Filho, foram quatro tipos de movimentos de massa encontrados mais comumente nas pesquisas, além da possibilidade de mescla entre elas.
- Deslizamentos de terra – É o mais comum. Ocorre quando há soterramento de área em que a terra não se distancia da zona de ruptura. Cai bem próximo da área de encosta
- Fluxo de detritos – A água aproveita partes do relevo que formam calhas para ganhar velocidade. Com isso, junto de solo e rochas grandes vai levando o que encontrar pela frente, como troncos de árvore
- Queda de bloco – queda de corpo rochoso maior de uma parte superior, e que desce rolando
- Rastejamento de solo – dá indicativos a partir de fissuras. Abre fendas ou forma degraus no solo. Solo se desestabiliza mais lentamente, mas não há colapso total
O mapeamento conta com equipe de 40 pesquisadores, entre professores, estudantes e técnicos do Instituto de Geociências e Centro Estadual de Pesquisas em Sensoriamento Remoto e Meteorologia, com o apoio de entidades e voluntários atuando nas regiões.