Diante da maior catástrofe climática vivenciada na história do Rio Grande do Sul, a profissão de meteorologista se mostra, cada vez mais, imprescindível à sociedade e ao planejamento urbano. Apesar do crescimento da demanda por esses profissionais, apenas 13 universidades ofertam tal formação no país.
Atualmente, no Estado, duas universidades oferecem cursos de graduação e pós-graduação em meteorologia, ambas federais: a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). No caso desta última, além de ter infraestrutura de ponta, é a única instituição no sul do Brasil que forma profissionais em meteorologia em todos os níveis: graduação, mestrado e doutorado. A relação de candidatos-vaga, entretanto, é menor do que 1 (em média, 0,5) na graduação. Na UFPel, a nota de corte pelo Sistema de Seleção Unificado (SiSU) é 440.
A meteorologia é uma ciência aplicada e prática, tendo a física e a matemática como base de formação – há, portanto, uma grande quantidade de cálculo no curso. Para professores das duas universidades, o curso se insere na atual tendência (que ocorre a nível nacional) enfrentada pelas ciências exatas de diminuição da procura e de evasão de estudantes.
Professora e coordenadora substituta do curso de Meteorologia da UFSM, Nathalie Boiaski acrescenta que, na escola, a meteorologia é abordada superficialmente, o que também contribui para o desconhecimento a respeito da carreira. As duas universidades tentam, agora, encontrar maneiras de promover os cursos, por meio de ações de extensão e diretamente nas escolas, e de combater o abandono.
Na UFSM, uma queda significativa na procura aconteceu após o auge da pandemia, assim como em outros cursos da instituição. A estrutura precária de aulas online, o abandono do curso por alunos com problemas financeiros ou perdas familiares, a grande variedade de opções de estudos, bem como o desejo por rápida estabilidade e bons salários, são alguns dos fatores que podem ter contribuído para esse cenário, segundo Nathalie.
— É uma carreira, sim, promissora. Estamos vendo a necessidade de ter esse profissional bem capacitado, ainda mais no nosso Estado, com essa lacuna que estamos vendo — ressalta.
Outro ponto levantado pelos especialistas é o mercado de trabalho. Poucos profissionais se empregam no RS – eles acabam indo para outros Estados e para o Exterior, por falta de oportunidades e por maiores possibilidades financeiras e de crescimento. Além disso, não existe, por exemplo, um centro de meteorologia estadual que pudesse absorver os talentos recém-formados, frisa Nathalie.
Os profissionais que se formam não chegam a ficar desempregados, mas podem acabar trabalhando como bolsistas ou por meio de outros auxílios. Para o professor e diretor da Faculdade de Meteorologia da UFPel, Marcelo Alonso, nos últimos anos, a quantidade de profissionais no mercado passou a aumentar, mas ainda há “muita luta” pela frente, inclusive em termos de valorização salarial – atualmente, o piso varia entre 6 e 8,5 salários mínimos, conforme a carga horária. Ele defende serem necessárias mais vagas tanto em setores públicos – com contratações efetivas no Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), por exemplo – quanto privados.
As próprias universidades também acabam absorvendo mão de obra, no caso de jovens que desejam seguir carreira acadêmica – a atuação profissional, claro, é diferente. Há, porém, mercados multidisciplinares em expansão para meteorologistas, como no setor energético; na agricultura – indispensável no caso do RS, que conta, por exemplo, com meteorologistas no Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga); na aviação; na navegação; na construção civil; na biometeorologia; entre outros. Contudo, são, muitas vezes, desconhecidos e, em alguns casos, ainda há dificuldade de inserção, de acordo com os especialistas.
O que falta no Estado
Há uma necessidade de políticas públicas engajadas e de reconhecer a imprescindibilidade da ciência e da profissão – existe uma desorganização no RS nesse sentido, defende Nathalie. Não se trata de uma condição exclusiva do Estado, pois outros também enfrentam o mesmo problema.
— Enquanto não tiver um centro consolidado e um mercado de trabalho que abarque e absorva meteorologistas, fica difícil conquistar o jovem que queira realmente seguir essa carreira, a não ser que tenha um espírito mais aventureiro, de fazer o curso e seguir em frente, indo para outros locais — aponta.
Na avaliação do professor da UFPel, é provável que, a partir desta crise, emerja um protocolo estadual de gestão de desastres. Ele sustenta ser “extremamente importante” o incentivo à contratação de novos profissionais meteorologistas em órgãos públicos ligados a prefeituras e ao governo estadual, além da efetiva profissionalização e contratação na Defesa Civil.
Segundo a professora da UFSM, também é preciso promover políticas públicas comprometidas em mitigar os efeitos das mudanças climáticas, de modo a desenvolver pesquisas aplicadas; e criar centros de operação para contratar profissionais para fornecer previsões de qualidade, com um órgão voltado para as mudanças climáticas e eventos extremos.
Os meteorologistas ainda enfrentam outros problemas e questões – a rede de monitoramento defasada é um deles. Mesmo utilizando satélites e radares, estações automáticas de monitoramento são essenciais. Portanto, também é necessário ampliar a rede meteorológica e hidrológica no país, para garantir melhores previsões.
Climatologia: um cenário ainda mais restrito
A climatologia é uma especialidade da meteorologia que trata diretamente das questões do clima. Profissionais pós-graduados na área de climatologia, e não necessariamente graduados em meteorologia, também podem atuar neste ramo. Neste campo, as oportunidades são mais restritas, sobretudo no RS, visto que se trata de um subgrupo dentro de um grupo já pequeno, conforme os professores. Nos anos recentes, devido às mudanças climáticas, houve um aumento significativo em relação à procura pela área – mas o fato é que mais profissionais são necessários.
Há um número reduzido de climatologistas no Brasil. Eles também atuam, em menor número, em centros de previsão climática, em órgãos e institutos como o Inmet e o Irga, em empresas privadas e em universidades. Dadas as limitações, os climatologistas também acabam deixando o Estado. Por isso, é igualmente importante ampliar as vagas para esta especialidade, também em entidades públicas como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), nas quais a previsão de clima pode ser particularmente útil.
— No momento em que estamos lidando com mudanças nessa variabilidade do clima, será cada vez mais necessário também ter estudos que envolvam esse padrão climático. A tendência no mundo inteiro é incentivar pesquisas nessa área de clima — avalia Alonso.