A forte chuva e a alarmante elevação dos rios no Rio Grande do Sul colocou em evidência um profissional pouco conhecido. Em meio à apreensão e, depois, ao caos, os hidrólogos se tornaram fontes essenciais para traduzir as razões do fenômeno e, sobretudo, projetar o que ainda está por vir. Se fosse possível condensar a função em uma expressão, o hidrólogo é uma espécie de “mestre das águas”, responsável por compreender todo o ciclo deste recurso natural.
O que se convencionou chamar de hidrólogo, na verdade, é uma divisão de duas formações diferentes envolvidas em um mesmo tema. Uma delas é o engenheiro hídrico. Outra, o técnico em hidrologia. Os dois profissionais trabalham em simbiose para coletar dados e transformá-los em informação para compreender o funcionamento da água.
— Reconhecemos como hidrólogos os estudiosos das águas — resume o professor Fernando Fan, do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS, referência sobre o tema na América Latina.
Até o fim dos anos 1990, o que afluía ao mercado de trabalho eram os técnicos em hidrologia. O curso da UFRGS foi criado em 1969. Com o tempo, graduados em Engenharia Civil começaram a se especializar no assunto e a também atuar na área. Na sequência, os engenheiros ambientais passaram a desembocar no setor. De modo mais recente, criou-se o curso superior de Engenharia Hídrica.
Embora possa parecer que as profissões se confundem, há diferenças nas funções desempenhadas. O técnico em hidrologia, segundo o site do IPH, realiza tarefas como:
- Instalação, operação e manutenção de equipamentos destinados à medição de níveis de vazão em rios, lagos e estuários;
- Instalação e manutenção de estações meteorológicas;
- Coleta de dados para monitoramento ambiental de bacias hidrográficas;
- Levantamentos topográficos;
- Levantamento de características batimétricas e morfológicas de cursos de água;
- Coleta a campo de dados para análise de qualidade de água;
- Coleta, interpretação e análise de sedimentos;
- Instalação, operação e manutenção de equipamentos para registro de correntes, marés, ondas e outras características marítimas;
- Levantamentos topográficos de perfis de praia;
- Implementação e controle de sistemas de irrigação;
- Execução de ensaios de bombeamento em poços;
- Participação em projetos de obras hidráulicas e na execução de estudos em modelos reduzidos.
Medição do nível das águas
A enchente no interior do Estado e o acompanhamento da situação do Guaíba fizeram com que nos últimos dias a população passasse a prestar atenção em um índice pouco comentado. O nível da água do cartão-postal de Porto Alegre passou a ser divulgado de hora em hora. No domingo (5), atingiu o pico histórico de 5,32m. A instalação de todo o aparato que permite aferir a elevação foi realizada por um técnico em hidrologia.
A sequência do processo fica por conta do engenheiro hídrico, responsável por dar sentido aos números. São criados modelos matemáticos e, a partir deles, previsões sobre como a água se comporta. No caso do Guaíba, havia estimativas de qual seria a elevação máxima do nível e, agora, o tempo que deve levar para a água baixar.
É possível estimar até a frequência de eventos meteorológicos envolvendo a água.
— Por exemplo, se fala muito da enchente de 1941. Até tempos atrás, a probabilidade dela acontecer era de uma a cada 10 mil anos. Com os últimos eventos climáticos que tivemos desde 2016, essa probabilidade caiu de uma para cada cem anos — explica Fernando Meirelles, professor do IPH.
Mercado de trabalho para o hidrólogo
As dificuldades enfrentadas para lidar com a chuva e a consequente enchente são problemas resultantes da ausência de estudos mais aprofundados, na opinião de Fan.
— Estamos tendo problemas agora porque não houve estudo. Há muita necessidade deste profissional para que a gente possa encarar o desafio das questões climáticas.
Com as questões ambientais cada vez mais relevantes, o hidrólogo se transformou em um profissional requisitado. O mercado de trabalho apresenta-se amplo em um país com uma extensa rede hidrográfica. Porém, os profissionais disponíveis no mercado não acompanham a demanda.
— Tenho dificuldade para indicar pessoas porque faltam profissionais. Os cursos de Engenharia têm cada vez menos gente ingressando. Não supre o mercado — lamenta Fan.
O curso técnico do IPH, no momento, está suspenso por questões burocráticas. Há a tentativa de que seja reativado. A formação tem duração de um ano mais estágio com duração de até seis meses.
— É um problema do Brasil inteiro porque era a única instituição que formava — lastima Meirelles.