A chuva que atingiu o Rio Grande do Sul no início de setembro e provocou 49 mortes revelou a necessidade de aperfeiçoar o sistema de alertas do governo do Estado e melhorar a comunicação com a população diante da previsão de catástrofes climáticas. O governo do Estado admite essa necessidade para poder impulsionar ações preventivas nos municípios gaúchos, principalmente no Vale do Taquari, região mais atingida pelas enchentes.
O AlertaBlu, modelo utilizado em Santa Catarina após tragédia registrada em 2008, é um dos avaliados pela Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do RS (Sema). Titular da pasta, Marjorie Kauffmann afirma que entrou em contato com as autoridades do Estado vizinho para saber como funciona o sistema, mas destaca que o RS conta com serviços da Sala de Situação e do governo federal, a partir do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), além da rede privada.
— Não acho que esse serviço dependa única e exclusivamente de o Estado possuir uma unidade 100% sua. Mas é importante termos maior integração através de um centro integrado de gestão de risco, que é um projeto que já estava em andamento por parte da Defesa Civil, muito antes desse desastre, que é quem emite esses alertas. Acho que é importante ter esse centro, mas não que ele não possa contar com serviços terceirizados também — afirma.
Sobre a tragédia do Vale do Taquari, Marjorie ressalta o volume de chuvas extraordinário, que provocaram um evento extremo. Porém, afirma que existiram alertas. O que faltou foi eles chegarem em quem precisava ser avisado da gravidade da situação:
— Não conseguiríamos impedir o evento de acontecer, mas temos sistemas que acabaram emitindo os alertas naquele período das cheias. Acredito que talvez nós não tenhamos chegado ao alcance da população sobre a magnitude daquele evento. Nesse ponto estamos estudando melhorias no sistema de alertas, e falo não só em estações, mas na forma como a gente emite esse alerta, como isso chega para a população, como a Defesa Civil transmite isso, porque de fato esse evento foi extremo.
Não conseguiríamos impedir o evento de acontecer, mas temos sistemas que acabaram emitindo os alertas naquele período das cheias.
MARJORIE KAUFFMANN
Embora o RS não conte com sistema de monitoramento próprio, o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), afirmou, em entrevista à Rádio Gaúcha, que o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), do governo federal, alertou sobre a possibilidade de evento extremo no Vale do Taquari.
— Se todas as pessoas tivessem saído daqueles lugares que foram inundados e fossem levadas a lugares mais altos, mais seguros, que era perto desses municípios, não haveria morte — afirma.
Para evitar tragédias, ele recomenda a instalação de sistemas de pluviômetros e do clima em escolas, além de orientar os alunos sobre os riscos de uma tempestade. O especialista afirma que a Defesa Civil também precisa treinar as populações para fugirem de áreas de risco.
Devem ser feitos acordos de cooperação técnica
Por conta das chuvas intensas no RS, Marjorie afirma que o governo acelerou as conversas com universidades e especialistas para aperfeiçoar os sistemas de alerta e firmar acordos de cooperação técnica.
— Precisamos buscar a academia, porque o Estado sozinho não vai conseguir fazer muito. Possivelmente faremos uso também do serviço privado para que gente possa ter esse centro integrado sob o comando do Estado, mas não exclusivamente de serviços que são estaduais, porque podemos ter melhor performance mesclando essas formas de contratação — completa.
Esse radar vai refinar os dados, dar um dado mais preciso, com antecedência de pelo menos três horas.
LUCIANO CHAVES BOEIRA
chefe da Casa Militar e coordenador estadual de Proteção e Defesa Civil do RS
Ela reforça que os eventos extremos têm ficado cada vez mais intensos e frequentes, o que obriga o Executivo a buscar melhorias dos serviços de alerta e de prevenção.
— O Estado precisa cada vez mais investir e ter essa informação qualificada para auxiliar as populações. Vamos trabalhar no sentido de orientar as prefeituras, porque a ocupação, o ordenamento urbano é trabalho e tarefa do executivo municipal. Mas o Estado como um gestor de recursos hídricos, de bacias hidrográficas, que são muito maiores que aqueles municípios, deve dar esse ordenamento e direcionamento — sustenta.
RS irá licitar contratação de serviço de satélite para monitoramento meteorológico
O RS conta com um sistema de monitoramento e alerta para casos de eventos extremos, com mais de mais de 200 estações hidrometeorológicas para fazer acompanhamento da meteorologia. É o que explica o chefe da Casa Militar e coordenador estadual de Proteção e Defesa Civil do RS, coronel Luciano Chaves Boeira. Segundo ele, a estrutura atual é adequada, mas há necessidade de ampliar o monitoramento.
— Essa tragédia foi um evento sem precedentes, como foi amplamente divulgado. Sabíamos que teríamos altos volumes de chuva, de volumes acumulados, mas o que não se sabia é que teria todo esse impacto. Essa informação não se tinha — reconhece, acrescentando que todos os alertas recebidos do Cemaden e Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), além das análises produzidas pela Sala de Situação do Estado, foram repassados aos municípios.
Para aperfeiçoar a estrutura da Defesa Civil, o governo vai realizar licitação para a contratação de serviço de satélite para monitoramento meteorológico, o chamado radar banda C, que opera com alcance de um raio de 120 quilômetros. O objetivo é fazer a cobertura de Porto Alegre e da Região Metropolitana.
— Esse radar vai refinar os dados, dar um dado mais preciso, com antecedência de pelo menos três horas do que efetivamente vai acontecer e onde. Ele vai dar um dado mais qualificado — explica.
Além disso, a ideia é ampliar o número de áreas de risco monitoradas pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) e criar um Centro Estadual de Gestão Integrada de Riscos e Desastres.
— São modelos que buscamos a partir de Estados que já possuem uma excelência no serviço. Cito como exemplos Espírito Santo e Santa Catarina, que possuem centros semelhantes aos que pretendemos colocar aqui no RS — observa.
Boeira ressalta que as ações preventivas executadas em Santa Catarina, principalmente em áreas de alto risco e muito alto risco, vão servir de modelo para o RS.
— Temos em torno de 60 municípios mapeados pelo SGB com mais de 600 áreas de alto e muito alto risco. Queremos expandir o monitoramento para todo o RS, como SC fez no seu Estado — destaca.
Sobre a possibilidade de contar com um centro de monitoramento próprio, Boeira destaca o trabalho dos profissionais que atuam na Sala de Situação.
— Esses profissionais estão dentro da Defesa Civil do Estado. Temos hidrólogos, meteorologistas 24 horas por dia, sete horas por semana. Essa estrutura está conosco na sala de situação. É uma estrutura que temos condições de agregar novas tecnologias. Temos que estar sempre buscando evoluir, mas esse evento foi sem precedentes. Não foi possível, com o que se tem hoje de tecnologia, saber que teríamos os impactos que tivemos — completa.