Além da chuva, um conjunto de fatores ocasionou a cheia no Vale do Taquari e o transbordamento do rio de mesmo nome no começo desta semana. A cheia deixou 41 óbitos até agora no RS, vários desaparecidos e um rastro de destruição nos municípios da região, especialmente em cidades como Muçum, Roca Sales e Lajeado. Nesta sexta-feira (8), GZH ouviu especialistas sobre o tema. Eles acreditam que a soma de diferentes elementos proporcionou o impacto devastador das águas sobre essas localidades.
O professor Luciano Zasso, coordenador do curso de Geografia da Escola de Humanidades da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS), afirma que a situação passa pelas mudanças climáticas e pelo aquecimento global, mas vai além desses fatores.
— Temos um processo de aquecimento do planeta que começa lá pelos polos e vem causando o aumento das temperaturas dos oceanos, o que gera essas oscilações térmicas mais acentuadas — explica o docente.
Segundo Zasso, o inverno deste ano ilustra com precisão a anomalia climática, já que teve a presença de vários dias com temperaturas beirando os 25 ou 30 graus, o que não é natural para o período. Fluxos de ar polar se encontram com o ar mais aquecido, e é esse choque que causa os efeitos extremos. Mas ainda há outros elementos.
— A Amazônia vem sofrendo muito nas últimas duas décadas com o desmatamento. Ela é um grande regulador climático global, principalmente na América do Sul — menciona Zasso, lembrando que a massa de ar sai da floresta, passa pelo território do Paraguai e entra diretamente no RS.
Na sua avaliação, o aquecimento fora de época está diretamente ligado ao aumento da temperatura na Amazônia. Além do calor, muita umidade vinda da floresta chega ao RS. O especialista cita ainda o atual aumento de dois graus acima do normal no oceano Atlântico nas costas do RS e Santa Catarina como outro fator importante.
Em seguida, aparecem questões relacionadas ao próprio Vale do Taquari. Com o relevo acidentado, marcado por aclives e declives, esses eventos extremos são potencializados. O solo na região é rochoso, o que dificulta a absorção quando a água deixa o leito do rio. A remoção da vegetação nativa nas margens intensifica o efeito de extravasamento.
— Temos ali o sistema Taquari/Antas, que é um modelo de rios de relevo que vai percorrendo todo o vale fluvial em meio à serra geral. Pela declividade, ele já gera um padrão de rio com muito mais correnteza — detalha, pontuando que não há muita zona para o escoamento da água do rio.
Na área geográfica onde ficam localizados os municípios de Roca Sales e Muçum, o Rio Taquari realiza uma curva. Neste trecho, as águas ganham ainda mais força e extravasam em direção a essas duas cidades. Para piorar, o vento sul represou as águas, o que permitiu uma elevação do volume: o cenário para a tragédia estava pronto.
— O vento represa e a vazão fica bloqueada pelo próprio sistema de ventos. Associado ao poder da chuva, é trancada ainda mais e eleva as águas rapidamente — prossegue Zasso, que não acredita em episódio semelhante nos próximos dias no Vale do Taquari.
— Calor fora de época é um presságio de que algo não está bem e de que pode acontecer um evento climático extremo — alerta.
O professor Rafael Rodrigo Eckhardt, da Universidade do Vale do Taquari (Univates) e também pesquisador da área de desastres, estuda os eventos da bacia Taquari/Antas desde 2001. Como contextualiza, a série histórica de inundações começou em 1940 e a média é de um evento por ano, e esse registro pode variar de proporção.
— O primeiro ponto fundamental é a chuva. Não ocorre nenhuma cheia do rio ou inundação sem que ocorra uma grande quantidade de chuva — observa Eckhardt.
— A chuva de agora foi até menor do que em 2020, mas o resultado foi mais intenso. Porque houve mais concentração da chuva e o rio subiu mais rapidamente e também acabou descendo mais rápido do que a média — pondera.
Ele analisa que a bacia da região é expressiva no RS e a chuva se originou de um ciclone extratropical. O El Niño — outro fenômeno que acrescenta mais umidade ao Estado — é salientado pelo docente. Também diz que choveu muito nas cabeceiras da bacia em três dias, em especial em Muçum, Roca Sales, Arroio do Meio, Colinas, Lajeado, Encantado e Estrela.
A professora da Univates Sofia Royer Moraes pesquisa a bacia Taquari/Antas com Eckhardt. Ela reafirma que é um conjunto de fatores que ocasionou a enchente.
— A chuva volumosa que aconteceu na cabeceira fez um pico muito rápido do nosso hidrograma (representação gráfica da variação da vazão de uma seção de curso d'água ao longo do tempo) de inundação — divide.
A docente revela que as características hidráulicas do Rio Taquari são únicas, quando comparadas com outras espalhadas pelo país. E reflete sobre o que precisa ser feito em relação aos dados.
— Precisamos diversificar as metodologias de monitoramento de previsão, melhorar nossa capacidade de entender os dados do ponto de vista hidráulico de uma cheia dessas — reconhece.
O diretor do Instituto do Meio Ambiente da PUCRS, Nelson Fontoura, acredita que não se pode afirmar que um evento extremo em específico está relacionado ao aquecimento global.
— O que a gente pode dizer é que o aumento de eventos extremos está relacionado ao aquecimento global. Da mesma forma que tivemos agora essa inundação no Taquari/Antas, isso vai se tornar mais provável de acontecer no futuro — compartilha.
Conforme Fontoura, a água tende a se concentrar de forma rápida na área mais baixa de planícies e várzeas do Vale do Taquari. Para o diretor, uma ideia para se minimizar o problema no futuro envolveria a Usina Hidrelétrica 14 de Julho, localizada no Rio das Antas, nos municípios de Cotiporã e Bento Gonçalves.
— Se estamos pensando em proteção da sociedade, talvez seja o caso de se cogitar a ampliação desse barramento, aumentando a cota em vários metros, mas mantendo o nível de uso atual — sugere.
Dessa forma, quando houvesse um grande volume de chuva no futuro, esse barramento funcionaria como uma esponja, retendo parte da água e a liberando de forma gradativa.