Com o avanço ano após ano das palometas (Serrasalmus maculatus) nos rios e lagoas do Rio Grande do Sul, pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) decidiram elaborar um projeto para monitorar a espécie nas águas gaúchas e evitar que ela chegue às lagoas do Litoral Norte, onde os pesquisadores acreditam que seja o próximo destino.
A proposta é observar o comportamento das piranhas invasoras na Lagoa dos Patos e, a partir disso, estabelecer métodos de controle da população do peixe. A estimativa é que sejam necessários R$ 400 mil para implementar o primeiro ano do projeto. Depois, mais cerca de R$ 180 mil para os anos seguintes.
Todo o trabalho seria sediado no Museu de Ciências da PUCRS, onde há laboratórios. Atualmente, porém, o museu vive um momento de recuperação financeira e não há dinheiro em caixa. Por isso, a intenção é angariar recursos com empresas, prefeituras e entidades.
— É um projeto caro, não há recursos no museu. Então, a gente quer fazer um grande consórcio envolvendo as prefeituras dos municípios afetados junto de empresas dos setores turístico e imobiliário que tenham interesse — afirma o diretor do museu, Marcus Vinicius Klein.
Segundo o diretor, o orçamento ainda está sendo formatado. Depois disso, serão solicitadas as primeiras agendas com prefeituras.
Professor da Escola de Ciências, da Saúde e da Vida da PUCRS, Roberto Reis é o idealizador do projeto. Ele afirma que, inicialmente, a intenção é reunir pesquisadores que identifiquem e localizem a espécie.
— A ideia é ter uma equipe sediada no museu, mas que se desloque por diversos pontos, com um barco e redes, para pescar as palometas e acompanhar a expansão da população. Assim, poderemos garantir uma prevenção, avisar "olha, aqui tem mais concentração de piranhas" e indicar em quais locais elas estão avançando, principalmente próximo de canais de irrigação — explica o professor.
Entre os motivos que justificam a elaboração da pesquisa, estão apontamentos quanto a consequências ambientais e econômicas. Do ponto de vista ambiental, elas poderão competir com a fauna nativa e se alimentar de outras espécies, podendo causar desequilíbrio ambiental.
Já em relação aos riscos econômicos, o projeto aponta o fato de as piranhas atacarem peixes presos em redes de pesca, destruírem redes e prejudicarem o trabalho de pescadores. Além disso, podem afetar a realidade urbana das lagoas costeiras, como balneários, condomínios náuticos e esportes aquáticos.
— Elas são perigosas para os seres humanos em atividades aquáticas, como pescadores, banhistas, esportistas aquáticos. Isso pode afastar as pessoas desses locais e refletir na economia da região — alerta o professor Roberto Reis.
De maneira geral, o projeto pretende monitorar a distribuição, estimar o tamanho populacional e identificar o potencial invasor das piranhas. Junto a isso, entram também os possíveis danos socioambientais e econômicos. Por fim, seriam apontadas medidas para amenizar os efeitos desse movimento.
- Monitorar a população de piranhas: por intermédio de capturas direcionadas e contato com colônias de pescadores.
- Compreender os danos socioambientais e econômicos: estabelecer campanhas de proteção ao peixe-dourado (Salminus brasiliensis), que é um predador natural da piranha, e identificação de pontos de passagem da palometa para as lagoas costeiras e gestão junto ao poder público para fechamento dessas passagens, como canais de irrigação.
- Reduzir a população: utilização do peixe-dourado como predador natural, a partir do estímulo à criação e preservação da espécie, que atualmente é ameaçada de extinção.
A equipe de desenvolvimento seria composta por um coordenador, um cientista sênior, um cientista júnior e um assistente. Seriam necessários um barco com motor e reboque, redes e outros materiais de coleta, além de materiais de preservação e análise.
Possibilidade de controle
O peixe-dourado é apontado pelos pesquisadores como o principal elemento de "mitigação" das palometas. Isso significa que a espécie pode ajudar a reduzir os danos causados pela espécie invasora nas bacias hidrográficas do RS ao se alimentar delas. Luiz Malabarba, professor e pesquisador do departamento de Ictiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica as características do dourado.
— Ele é um predador, ictiófago (alimentação baseada em peixes), come principalmente outros peixes menores, não só as palometas, mas inclusive elas — afirma.
Conforme Malabarba, o dourado costumava ser mais encontrado na bacia hidrográfica do rio Jacuí, mas, atualmente, encontra-se em perigo de extinção:
— Ela (espécie) não é mais encontrada, não é mais capturada comercialmente. São só pescas ocasionais. As principais causas são as construções de barragens, a pesca excessiva, que ultrapassa o limite da atividade em determinadas regiões, e a pesca predatória, que é feita irregularmente com materiais proibidos.
O perfil do predador
- Peixe-dourado (Salminus brasiliensis)
- Está presente na bacia do rio Jacuí, mas teve um declínio da população nos últimos anos devido à construção de barragens e às pescas excessiva e predatória
- Tem risco de extinção
- Pode variar entre 80cm a 1,40m
- Na bacia do rio Jacuí é onde ele é encontrado em maior porte
- É um peixe ictiófago, que come outros peixes menores, entre eles a palometa (Serrasalmus maculatus)
Com a potencialidade de prejuízos para a região, a reportagem de GZH questionou a Associação dos Municípios do Litoral Norte (Amlinorte) se há alguma discussão sobre o tema na pauta das prefeituras. A entidade, por meio de sua assessoria, informou que o assunto ainda não foi debatido por estarem ocupados com as consequências dos últimos ciclones. No entanto, ressalta que tema é preocupante e deve entrar no radar em breve. Confira a nota completa:
A Associação dos Municípios do Litoral Norte está preocupada com a situação de expansão das palometas no RS, em especial, os riscos de chegada nas lagoas costeiras. No mês de setembro a entidade estará debatendo com os municípios e órgãos competentes as medidas preventivas e de controle que poderão ser adotadas nesta situação.
Como as piranhas se espalharam pelo RS
As palometas são peixes naturais da bacia do rio Uruguai, que eram encontrados somente em águas da Fronteira Oeste. Porém, nos últimos anos, começaram a ser registradas em rios e lagoas da bacia do rio Jacuí e na Lagoa dos Patos.
Pesquisadores apontam que uma das possíveis causas para esse fenômeno tenha sido os sistemas de irrigação de lavouras na região central do Estado. Há também uma segunda hipótese, a partir da qual inundações em períodos de chuvas podem ter favorecido a invasão.
A rápida propagação pelo rio Jacuí atingiu o rio Guaíba, e já há registros da espécie na Lagoa dos Patos até a região de São Lourenço do Sul. Ainda não há registro da espécie no Litoral Norte, apesar de especialistas acreditarem que isso seja uma questão de tempo, com base na expansão para outras regiões.