Uma transformação nunca vista começou a ocorrer em Caçapava do Sul após o anúncio do projeto de geoparque. A união e o engajamento dos caçapavanos inclusive chamou a atenção dos avaliadores do órgão, que estiveram na cidade em 2022.
Com rochas sedimentares marinhas e continentais de mais de 500 milhões de anos, o município possui mais de 30 geossítios, com destaque para as Pedras das Guaritas e a Serra do Segredo, além de fósseis de animais extintos da megafauna, em especial preguiças-gigantes e espécies vegetais raras e endêmicas do bioma pampa.
O projeto do Geoparque Caçapava é fruto de uma cooperação entre UFSM, Unipampa e prefeitura de Caçapava do Sul, com o apoio de instituições e empresas locais.
— Caçapava se tornou outro município com o geoparque — resume o diretor do campus de Caçapava da Unipampa, José Rojas.
Ele ressalta que geólogos de todo o Brasil e até do Exterior visitam município, já que encontram rochas sedimentares, metamórficas e ígneas apenas ali. Destaca também as diversas cascatas de água cristalina, como a do Salso, do Pessegueiro e da Pedra Branca. Conforme Rojas, a movimentação de turistas aumentou antes mesmo de o município estar preparado. Não há dados oficiais sobre esse crescimento, mas ele exemplifica: onde antes havia cinco pessoas de fora visitando a cidade, hoje há 50.
De acordo com o secretário de Cultura e Turismo, Stener Camargo, Caçapava possui cerca de 600 leitos de hospedagem e mais de 10 restaurantes. Esses empreendedores poderão ser beneficiados por cursos de qualificação que serão ofertados a partir de agosto, em um projeto de aprimoramento realizado a partir de indicação da Unesco:
— Em agosto, lançaremos um projeto junto ao Sebrae para qualificação dos parceiros. Será uma série de capacitações para atendimento ao turista. Também temos programas educativos que vão para as escolas, atendendo em torno de 2 mil crianças, que recebem palestras sobre o que é o geoparque, para sensibilização e preservação do território.
Camargo também comenta que há investidores procurando a prefeitura com projetos de cabanas e outros empreendimentos, na Serra do Segredo e na região das Guaritas. Mas admite que há um problema histórico de infraestrutura no município.
— O pessoal está muito engajado, agora até a frente das casas está sendo cuidada. O caçapavano não sabia a riqueza que tinha, mas estamos fazendo um grande trabalho de educação ambiental. No final do ano, teremos o Geodia, que é um evento que ocorre há oito anos, em que reunimos todas as escolas para fazer diversas atividades, mostrando o que é geodiversidade. O município tende a se desenvolver muito nos próximos anos — diz Rojas.
Instituído em 1999, o Parque Natural Municipal Pedra do Segredo oferece áreas de lazer para todas as idades, com mirantes, trilhas de diferentes níveis, cavernas, monumentos geológicos, mais de 20 vias de escalada e diversos pontos de rapel. A Pedra do Segredo é um monumento geológico sedimentar de aproximadamente 120 metros. É uma das atrações do parque — outras são a rica fauna silvestre e a vegetação característica, com cactáceas e petúnias endêmicas.
Ao apresentar o local, a gestora do parque Jackeline Moreira, 35 anos, informa que há três trilhas principais, todas autoguiadas. Até o cume da Pedra do Segredo, são seis quilômetros de caminhada. O trajeto pode ser feito por pessoas de todas as idades e não é preciso ter experiência prévia nesse tipo de passeio. No caminho, há pontos como a Caverna da Escuridão e o Salão das Estalactites.
— Aqui tem uma travessia de cerca de 60 metros, só que depois vai estreitando, por isso se chama Caverna da Escuridão. Uma das lendas da Pedra do Segredo é que, quando uma pessoa tentasse atravessar a caverna, o fogo das tochas se apagaria. As pessoas têm medo de entrar na caverna até hoje — explica Jackeline durante o trajeto.
Há quase uma década atuando na comercialização de azeite de oliva, a família Abdala não imaginava que também abriria as portas de sua propriedade para receber turistas. É o que tem feito nesse novo momento.
— Normalmente os turistas vêm para visitar a propriedade, ver o azeite e ir na Toca das Carretas, que é aqui na frente e é um dos geossítios — conta Rosane Coradini Abdala, 63 anos, proprietária da empresa Don José.
Segundo ela, a atividade de olivicultura foi algo pensado para a aposentadoria — que acabou crescendo. Neste ano, foram colhidas 42 mil toneladas de olivas nos 20 hectares de plantação. O negócio familiar é administrado por ela, o marido Jorge Pereira Abdala, 69 anos, e os dois filhos: Carlos e Ricardo Abdala, que são médicos.
O processo de fabricação é feito por parceiros contratados, enquanto a venda ocorre tanto na propriedade quanto por entregas. Para a produção do almoço ou café, a família também contrata uma equipe específica, pois, com o aumento da demanda, não consegue mais dar conta de tudo.
— A cidade é muito voltada ao produto primário, como pecuária e agricultura. Caçapava tem uma diversidade de locais bonitos, mas nunca houve a mentalidade de turismo para mostrar isso. Agora, está despertando — ela analisa.
O filho Ricardo, 38 anos, acredita que o desenvolvimento da região funcione como uma engrenagem:
— Há vários empreendimentos que vão se complementando e crescendo de maneira conjunta. São coisas que não aconteceriam se não houvesse essa demanda, e o geoparque ajuda bastante na integração dos produtores. Tem grupo de WhatsApp, encontros e acaba que a troca de experiência favorece todo mundo.
Já a Casa de Cultura Juarez Teixeira, que nasceu durante a pandemia, é um espaço de exposições e convivência com itens temáticos da região. Ela funciona na residência onde a jornalista Gisele Teixeira nasceu e os pais viveram. Gisele conta que morou por 15 anos em Buenos Aires e estava visitando a família quando as fronteiras fecharam, por isso não pôde voltar. Na época, percebeu que o pai tinha um acervo muito grande de itens antigos, que, reunidos, marcaram o início da casa que leva o nome dele.
O acervo permanente conta com mais de mil peças de Teixeira e de aproximadamente 130 doadores da cidade, que mostram como era a vida na região no século passado.
— O pai queria fazer um museu. Aí eu o convenci a fazer uma casa de cultura, algo mais dinâmico. De dois em dois meses fazemos um brique, estamos montando um café. A ideia é que seja a Mario Quintana daqui da cidade — explica Gisele, em referência à casa de cultura no Centro Histórico de Porto Alegre.
Desde a inauguração, em outubro de 2020, 1,8 mil pessoas visitaram o local, conforme o livro de registros.
— Na época, me vi no meio dessa coisa do geoparque e pensei: "Não é hora de eu ir, é hora de eu ficar". Muita gente está voltando para empreender aqui, porque é uma janela para a cidade — define.
Uma janela que mostra o que há dentro - e que é atrativo para quem vem de fora, trazendo outras culturas e experiências de vida.