Na região central do Rio Grande do Sul, moradores de nove municípios se uniram para um objetivo comum: colocar a Quarta Colônia na rota turística e mostrar para o resto do Brasil e até para o mundo as belezas naturais e outros atrativos daquela localidade. Por isso, entre os empreendedores novos e antigos, não existe competição — todos almejam o desenvolvimento econômico do território que desde maio deste ano é reconhecido como um geoparque mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Apesar de o reconhecimento ser recente, a movimentação em torno do Geoparque Quarta Colônia já gera reflexos no comportamento das comunidades da região. A questão principal, segundo Leandro Nunes Gabbi, assistente em administração da Universidade Federal de Santa Maria, é ter despertado um sentimento de apropriação nos moradores, ou seja, eles se sentem parte do território e responsáveis pela sua preservação e divulgação:
— Não é o poder público ou a universidade, são as pessoas do território que têm que se apropriar, preservar o que tem aqui e ganhar dinheiro com isso de forma sustentável. E é isso que o geoparque está agregando.
Atualmente, o geoparque conta com 54 geossítios, definidos como lugares de relevância geológica, geomorfológica, fossilífera, cultural ou de beleza cênica. Já o número de empreendimentos parceiros quase quadruplicou em dois anos: até 2021, eram 29, e, agora, são 112.
GZH visitou três municípios do geoparque para conhecer alguns de seus atrativos. Em Ivorá, a cerca de 285 quilômetros de Porto Alegre, fica o Parque Natural do Monte Grappa, área com 33 hectares cujo nome faz referência a um "morro testemunho", pois acompanhou a evolução do planeta.
— Hoje, estamos fazendo trabalhos de manejo. Aqui são feitas pesquisas, trazemos escolas. Tem o bosque da memória, que foi uma iniciativa para homenagear as vítimas da covid-19 e da Boate Kiss. Para Ivorá tem uma grande importância, foram os imigrantes italianos que batizaram de Monte Grappa. E as pessoas fazem peregrinações aqui, tem um significado religioso, também — contextualiza Edicleia Cherobini, secretária de Turismo de Ivorá.
O local é aberto e todos podem ir até os mirantes e a capela que ficam no topo – o morro tem cerca de 400 metros de altura. De acordo com Edicleia, é possível subir sem guia, já que a trilha de um quilômetro é bem desenhada. A secretária também ressalta que, apenas no último ano, foram abertos 10 empreendimentos novos ligados ao setor do turismo:
— Em Ivorá, tínhamos uma pousada e mais uma hospedagem, e hoje temos em torno de 10 hospedagens. O pessoal também está se organizando para receber grupos em suas propriedades para explorar o turismo rural.
O boom pela divulgação do geoparque, afirma Edicleia, fez aumentar o interesse da população em cursos de capacitação para aprimorar o atendimento ao turista.
— A movimentação de turistas, sobretudo nos finais de semana, aumenta exponencialmente. No verão, as pessoas procuravam mais em função das cascatas (são 38 só no município), mas neste ano já vi uma mudança: pessoas vindo no inverno também. E isso nos deixa muito felizes, porque não queremos só o turismo de verão — diz a secretária.
Um dos empreendimentos citados é o restaurante I Fratelli Moro, que, além da gastronomia típica italiana, disponibiliza chalés para aluguel e passeio na Cascata Cara de Índio. Os proprietários do negócio, Nádia Zancan Moro, 44 anos, e Edson Moro, 46, contam que começaram a oferecer almoços em outro endereço, em 2018, para atender turistas que faziam passeios de caminhão no município, mas tinham de ir a Silveira Martins para fazer as refeições, por falta de opções locais.
De acordo com Nádia, que trabalhou por 10 anos como empregada doméstica, o primeiro atendimento foi para um grupo de 25 pessoas. A ideia inicial era manter esse número, mas, quatro meses depois, já estavam servindo 70. Eles então restauraram o galpão centenário da propriedade onde moravam, inaugurando-o em 2019.
O jardim repleto de plaquinhas, árvores, plantas, balanços e objetos antigos recebe pessoas nos finais de semana, antes e depois do almoço ou café da tarde. Os pratos são feitos por Nádia, com produtos da região.
— A procura é grande e, agora, está muito maior. É tudo simples, mas com aquele sabor da colônia. Tudo o que podemos produzir aqui nós produzimos. E o que não conseguimos, compramos de parceiros que são da comunidade.
É uma roda que vai girando, também mexe com outras pessoas, porque é uma rede, temos essa parceria com todos os outros empreendimentos, não nos vemos como concorrentes. Se eu não consigo receber aqui, indico algum lugar. Turismo é isso — enfatiza Nádia.
O casal participa dos cursos ofertados para melhorar o atendimento no empreendimento, que passou a ser a principal fonte de renda da família _ Nádia e Edson seguem com a plantação de soja e pecuária, mas foi essa mudança, garantem, que trouxe estabilidade financeira à família.
— Mas a satisfação não é só pelo financeiro. Estamos felizes pelo que fazemos. As pessoas saem contentes daqui, falando bem da cidade.
Turismo rural em Silveira Martins
Já em Silveira Martins, a três quilômetros do centro, está a Chácara Santa Eulália, hoje administrada por Giovanna Bonella Barros, 50 anos. A propriedade foi adquirida em 1998 por seu pai, Felisberto, que na época passou a investir no turismo rural. Na entrada, Giovanna elaborou uma espécie de recepção, que conta com um mapa resumindo a história local e identificando onde fica cada ponto do terreno de três hectares. Na mesma área, montou um acervo com objetos do pai, que produzia vinhos na propriedade, e documentos da família. A chácara se chama Santa Eulália em homenagem à avó de Giovanna.
— Meu pai chegou a morar nessa casa principal. Os banheiros eu que fiz agora nesses últimos dois anos, pensando no turismo. E a casa eu preparei para locação. Minha ideia é oferecer a chácara como um lugar de experiência para famílias e grupos passarem o final de semana — resume a empresária, que também restaurou uma casa onde recebe hóspedes pelo Airbnb e está restaurando o café de seu avô, ambos no centro de Silveira Martins.
Além da casa e do espaço de recepção, a propriedade conta com um galpão campeiro, mais de 300 árvores frutíferas, horta, lago, trilhas e área com fogueira. Há ainda uma pirâmide para energização e um templo de orações, que foram construídos pelo pai. De acordo com Giovanna, ele sempre recebeu pessoas na chácara, onde vendiam vinho e geleia. Moradora de Santa Maria, onde tem uma geriatria, ela destaca que Silveira Martins tem grande potencial turístico e, também, arquitetônico.
— O geoparque é a esperança para o pequeno empreendedor aparecer e mostrar o seu trabalho — resume.
Perto dali, está a propriedade Quinta Marco 50, que oferece espaço para passeios na natureza e café da colônia, com cucas, queijos, pães e outros itens produzidos na região. O casal João Nilo, 60 anos, e Ivana de Almeida, 61, adquiriu o espaço em 1999 e, há mais de uma década, mora na propriedade _ antes, residiam em Santa Maria.
A ampla propriedade conta com trilhas, árvores frutíferas, pracinha, jardim sensorial e uma capela ecumênica. Também possui um mirante, a 501 metros acima do nível do mar, de onde é possível visualizar várias cidades da Quarta Colônia.
De acordo com João, que é programador, o negócio começou com o turismo pedagógico, em que a UFSM enviava professores e alunos para acompanhar a criação de ovelhas, em aulas ao ar livre. A ideia do café colonial surgiu em 2019.
— Na pandemia, as pessoas foram falando para amigos e vizinhos e passou a chover gente. Quando começou o movimento maior do geoparque, comecei a ter contato com outros empreendedores, que hoje seguem nossos parceiros. Empresas de turismo, por exemplo, nos trazem clientes. Os eventos se multiplicaram, festas de final de ano, aniversários — explica João.
Parceiro do geoparque, o Museu do Imigrante Italiano Eduardo Marcuzzo, no município de Vale Vêneto, proporciona uma imersão no passado, por meio de peças doadas por moradores. Máquina de fazer macarrão, descascador de fruta, câmeras fotográficas, telefones, ferros de passar, sapatos de madeira e balanças estão entre as centenas de peças, que são divididas por salas temáticas. As mais antigas são dos anos 1870, quando as primeiras famílias chegaram à cidade.
Diretora técnica voluntária do museu desde 2016, Jacinta Pivetta Vizzotto, 63 anos, explica que o local foi reformado e reinaugurado em 2017, com a nova proposta de museologia, porque o prédio original era de madeira, bem antigo, e não comportava mais o acervo. O museu foi fundado em meio às comemorações do centenário da herança italiana no Rio Grande do Sul, em 1975, e aberto ao público três anos depois, quando Vale Vêneto completou cem anos de fundação.
— O espaço faz parte da Associação Vêneta de Vale Vêneto, não está vinculado a nenhum órgão municipal, mas gosto de lembrar que a comunidade toda colaborou com a reorganização — diz Jacinta.
Ela comenta que o museu sempre foi bem visitado, mas que há um aumento recente em todo o entorno:
— Temos observado uma diferença do ano passado para cá. A cada final de semana parece que há uma festa aqui, e são públicos diferentes.
Um dos empreendimentos que sentiram esse impacto em Vale Vêneto foi o DearSanta Café & Bistrô, que pertence a uma família natural de Cruz Alta e que mora há 12 anos em Santa Maria. A empresária Greice Castro Fogaça, 43 anos, relata que sua trajetória no ramo começou há uma década. Em um passeio, ela conheceu Vale Vêneto e ficou encantada com o casarão que hoje comporta seu café.
— As pessoas me diziam: tu é louca, só passam cachorros na rua em Vale Vêneto durante a semana. Só que, para minha surpresa, desde que abri, há dois anos, nunca mais consegui parar, porque é muito movimento _ conta Greice.
A demanda crescente surpreende a empresária, que inclusive tem pensado em como vai conseguir dar conta da procura. No último feriado de Corpus Christi, por exemplo, cerca de 600 pessoas passaram pelo local, que tem 60 lugares.
José Francisco Tronco, 60 anos, já fez de tudo um pouco, inclusive plantar arros e soja, mas se encontrou mesmo ao montar a Cachaçaria Gentil, em 2018. Além de produzir e comercializar a bebida, ele abre a cachaçaria à visitação _ o que tem atraído cada vez mais interessados.
— Estamos recebendo turistas de diversas partes do país, por isso estou aumentando (o investimento no negócio) — comenta.
Questionado sobre uma comparação de vendas entre 2019 e os últimos dois anos, ele é taxativo:
— Pode botar uns 800%, tranquilo.