Entre 1970 e 2018, o planeta perdeu 69% na abundância relativa de populações de vida selvagem monitoradas em todo o mundo. Em 2014, esse índice era de 50%. Conforme o 14º Living Planet Report (14º Relatório Planeta Vivo), feito bianualmente pela WWF, em parceria com a Sociedade Zoológica de Londres, trata-se de uma dupla emergência que coloca em risco o futuro dos humanos: a perda de biodiversidade e as mudanças climáticas.
A alteração na utilização dos solos é a maior ameaça atual para a natureza, segundo o estudo, divulgado na quarta-feira (12). Isso ocorre com a destruição e a fragmentação dos habitats naturais de espécies vegetais e animais em terra, em água doce e no mar.
A nova edição do levantamento revela que a América Latina teve o maior declínio regional (94%), enquanto as populações de espécies de água doce registraram o maior declínio global (83%). Na África e na Oceania estão alguns dos animais mais ameaçados pelas reduções: os gorilas da planície oriental diminuíram cerca de 80% no Parque Nacional Kahuzi-Biega da República Democrática do Congo, entre 1994 e 2019, enquanto o número de leões-marinhos australianos teve queda de 64%, entre 1977 e 2019.
No Brasil, entre os animais com os maiores declínios populacionais estão o boto amazônico, afetado pela contaminação por mercúrio, a captura não intencional em redes de pesca, os ataques em represália pela danificação de equipamentos de pesca e pela captura para o uso como isca na pesca da piracatinga. Entre 1994 e 2016, a população de botos cor-de-rosa caiu 65% na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, Amazonas, aponta o relatório. Também estão na lista as onças, o gato-palheiro, os corais, o lagarto papa-vento da Bahia, e o tatu-bola.
Os dados são resultado do uso de técnicas de análise de mapeamento para construir uma imagem abrangente da velocidade, da escala das mudanças na biodiversidade e no clima e suas consequências. O Índice Planeta Vivo, dessa forma, atua como um indicador de alerta precoce, acompanhando as tendências na abundância de mamíferos, peixes, répteis, pássaros e anfíbios em todo o mundo.
Os efeitos também são sentidos pelos seres humanos. Deslocamentos e mortes cada vez mais frequentes por causa de eventos climáticos extremos, aumento da insegurança alimentar, solos empobrecidos, falta de acesso à água doce e aumento da disseminação de doenças de origem animal são algumas dessas possíveis consequências.
"Se não conseguirmos controlar o aquecimento para que ele não passe de 1,5°C, as mudanças climáticas provavelmente se tornarão a causa principal da perda de biodiversidade nas próximas décadas", aponta o documento.
O texto indica o resultado de ultrapassar essa barreira para uma espécie ameaçada. "Cerca de 50% dos corais de água quente já foram perdidos por causa de uma variedade de causas. Um aquecimento de 1,5ºC resultará em perda de 70%-90% dos corais de água quente, e um aquecimento de 2ºC resultará em uma perda de mais de 99%."
Manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC requer que as emissões globais de CO² equivalente sejam 50% menores do que as atuais até 2030, e que a emissão líquida chegue a zero até a metade do século. Mas conforme o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC), a Terra está esquentando mais rápido do que era previsto e se prepara para atingir 1,5ºC acima do nível pré-industrial já na década de 2030, dez anos antes do que era esperado. Com isso, haverá eventos climáticos extremos em maior frequência, como enchentes e ondas de calor.
Efeitos desproporcionais
O relatório da WWF aponta que os impactos recaem de forma desproporcional sobre as populações mais pobres. E também mostra estudos da América Latina - e especificamente, da Amazônia — que dão suporte às causas do declínio das espécies, como as taxas de desmate em crescimento. "Já perdemos 17% da extensão original da floresta (Amazônica), e mais 17% foram degradados. A pesquisa mais recente indica que estamos nos aproximando rapidamente de um ponto de inflexão, que é o momento em que nossa maior floresta tropical perderá suas capacidades", diz a pesquisa.
Segundo Mariana Napolitano, gerente de Ciências do WWF-Brasil, as espécies listadas pelo relatório não são necessariamente as mais afetadas — mas estão certamente entre elas. Isso porque em regiões como a África e América Latina, os dados históricos sobre as espécies ainda são um obstáculo.
— Nesta edição fizemos um esforço grande para incluir novas espécies no índice. Das 838 adicionadas, 575 são do Brasil — afirma.
Os dados do relatório reforçam as estatísticas da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), que mostram que quase um milhão de espécies animais e vegetais estão ameaçadas de extinção no planeta. Parte delas se encontra em um nível de perigo nunca antes visto na história humana.
Soluções e oportunidade
Apesar do cenário desalentador, o relatório da WWF traz exemplos positivos, como o da Costa Rica que, depois de adicionar o direito a um ambiente saudável à sua Constituição, em 1994, se tornou uma referência ambiental global. O país tem 30% de seu território em parques nacionais e 99% de sua eletricidade vêm de fontes renováveis, incluindo hidrelétrica, solar, eólica e geotérmica. Além disso, as leis costarriquenhas proíbem a mineração a céu aberto e os impostos sobre o carbono são revertidos para populações indígenas e agricultores para restaurar as florestas.
Em dezembro, o Canadá receberá a 15ª Conferência da Biodiversidade da ONU. A expectativa é um novo Marco Global seja construído durante a reunião. Conforme o relatório da WWF, os sinais não são bons. "As discussões até agora estão presas no pensamento do velho mundo e nas posições inflexíveis, sem nenhum sinal da ação ousada necessária para alcançar um futuro positivo para a natureza", afirma o documento.