Ainda no imaginário dos moradores do Sul do Estado, a maré vermelha voltou a ocorrer nos últimos dois meses no Uruguai. O fenômeno, que causou a mortandade de milhares de animais marinhos na praia do Hermenegildo em 1978, acontece a partir de um desequilíbrio ecológico que gera a floração de microalgas que podem ser nocivas aos seres humanos. Para prevenir problemas de saúde, o país vizinho proibiu, no dia 26 de novembro, a coleta, o transporte e a comercialização de três tipos de moluscos.
Nesta segunda-feira (29), a presença de grande concentração de mariscos brancos nas areias do Hermenegildo e da Barra do Chuí, em Santa Vitória do Palmar, acendeu a suspeita de reflexos da situação também na costa brasileira. O caso está sendo investigado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), que devem rodar análises nos animais ao longo do mês.
O Uruguai realiza o monitoramento de casos de maré vermelha desde os anos 1980. Na época, os registros eram principalmente da existência de espécies tóxicas que desencadeavam efeitos como ardência na garganta, dores de cabeça e dificuldade para respirar. Desta vez é diferente – não há detecção de casos desse tipo no país desde 2017 e, a partir de 2014, a maioria dos registros já era de toxinas causadoras de diarreia, e não mais de problemas respiratórios.
Para conter os transtornos, a Direção Nacional de Recursos Aquáticos uruguaia proíbe a coleta, o transporte e a comercialização de algumas espécies de moluscos quando percebe a ocorrência de maré vermelha. Em outubro, ficou vedada a venda de mexilhões no departamento de Maldonado, onde fica Punta del Este, por exemplo. Em novembro, a proibição focou em mariscos brancos oriundos do departamento de Rocha (onde ficam as praias mais próximas do Brasil) e em mexilhões e dois tipos de mariscos da região de Maldonado.
A economia uruguaia se baseia principalmente na agricultura, na indústria e em comércio e serviços. Ainda assim, a pesca tem importância na balança comercial. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em 2017, as exportações no setor pesqueiro do país foram avaliadas em US$ 102 milhões.
Segundo o professor do Instituto de Oceanografia da Furg André Colling, a ocorrência da reprodução de organismos marinhos entre a primavera e o verão faz com que aumente a população nos mares da região Sul nesse período. Na segunda-feira, quando pesquisadores da universidade foram às praias de Santa Vitória do Palmar averiguar a alta incidência de mariscos brancos, só encontraram animais jovens.
— Se for o caso de influência leve da maré vermelha uruguaia aqui no litoral gaúcho, ela só causou a mortalidade de organismos juvenis. Se formos falar de uma maré vermelha de maior porte, que representasse uma catástrofe ambiental, ocorreria uma mortalidade em massa — explica o docente.
Pesquisadores da Furg coletaram mariscos brancos no Hermenegildo nesta terça-feira (30), quando, conforme Michele Rosa de Castro, que é pesquisadora do grupo Ecobiotox da instituição, que estuda ecotoxicologia aquática, já não havia tantos animais na costa quanto na segunda.
— Quando eu vi os vídeos de segunda-feira, eu me apavorei, mas, na terça, eu não vi nada parecido com aquilo. Pode ser até um episódio de ocorrência natural, devido à amplitude térmica que ocorreu nos últimos dias, mas só saberemos depois de fazermos o processamento dessas amostras — relata Michele.
Inicialmente, as amostras passarão por uma triagem. Será analisada a morfologia dos animais e, depois, eles serão separados em grupos. Alguns passarão por testes bioquímicos e outros por testes ecotoxicológicos, a fim de monitorar os compostos neles existentes e como eles podem afetar outros organismos. O tempo para a realização de todas as análises varia, mas costuma levar, em média, 30 dias, até se chegar a um diagnóstico.
Procurada, a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) informou que assuntos relacionados ao oceano são de responsabilidade do Ibama. O órgão foi questionado sobre uma possível investigação sobre o assunto, mas, até a publicação desta reportagem, não respondeu.
A Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR) informou que, por ora, não houve interação junto à Sema sobre a possibilidade de proibir algum tipo de atividade comercial envolvendo os moluscos no Rio Grande do Sul. Em Santa Vitória do Palmar, a prefeitura orienta pela não extração, comercialização ou transporte dos animais encontrados.