
O mais recente relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), divulgado nesta semana, acendeu o alerta no Rio Grande do Sul ao citar que o Brasil produzirá menos alimentos se as metas do Acordo de Paris para a redução da emissão de gases poluentes não forem atingidas.
No relatório, o sul do Brasil está incluído na região identificada como Sudeste da América do Sul (SES), que tem também partes de Argentina, Paraguai e Uruguai. Para essa região, as previsões são de aumento da temperatura e da chuva em intensidade e frequência, causando inundações, se a média global superar 2°C.
Jefferson Cardia Simões, vice-pró-reitor de pesquisa e fundador do Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pontua que esse sexto relatório do IPCC reforça com maior precisão as datas de prognósticos levantadas 20 anos atrás. Ele afirma que as mudanças ocorreram de maneira muito acelerada, o que é preocupante, e que o caminho é a mitigação dessas transformações e controle das emissões para não chegarmos a um aumento de 4°C na temperatura:
— Isso seria catastrófico. Porém, atualmente, já vivemos situações delicadas, derretimento das geleiras de montanhas tropicais e subtropicais, o que vem causando estresse hídrico no Peru e na Bolívia e a intensificação de chuvas, secas, ondas de calor, entre outros.
Douglas Lindemann, chefe do Núcleo de Meteorologia Aplicada da Faculdade de Meteorologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), explica que, conforme a temperatura média da Terra continuar subindo, mais perturbado ficará o clima no planeta, com calor e frio mais intensos:
— Essas alterações que estamos alertando hoje não será a nossa geração que sentirá, mas as próximas. Há um delay, não é imediato. O clima tem um tempo para dar as respostas.
Segundo o professor Nelson Ferreira Fontoura, diretor do Instituto do Meio Ambiente (IMA) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), não se tem um estudo que aborde os efeitos socioeconômicos de tais alterações no Estado.
— Dá pra projetar ainda que, se o problema não for contornado, poderemos vir a enfrentar uma crise econômica, já que nosso ativo, a agricultura, precisa de estabilidade das variáveis do clima. Sem essa previsibilidade do clima, ficamos à mercê — analisa.
Chuva reduzida no inverno gaúcho
Os pesquisadores do Centro Polar e Climático já observam uma tendência de diminuição de chuva no inverno gaúcho, significando que o ciclo hidrológico está sendo alterado com a mudança climática. Na prática, o agricultor do Rio Grande do Sul está acostumado a passar o inverno com volume hídrico capaz de suportar primavera e verão mais secos. Porém, nas duas últimas décadas, há registros de invernos com déficit hídrico e verão com chuva concentrada numa única área do Estado. Essa combinação contribui para manter o déficit hídrico, aumentar o desastre ambiental e, consequentemente, o custo de produção.
Professor da UFRGS, climatologista e diretor substituto do Centro Polar e Climático da UFRGS, Francisco Eliseu Aquino estuda há anos a conexão entre os fenômenos da natureza ligados ao aquecimento global.
— Com a mudança climática, o Rio Grande do Sul terá mais estiagens e secas, mais chuvas intensas concentradas, mais ondas de calor com maior duração em comparação com décadas anteriores, e ainda ondas de frio mais robustas que, inclusive, podem ocorrer no verão, como as friacas em pleno Natal. Tudo está conectado — explica Aquino.

Desmatamento na Amazônia impacta no RS
Lindemann, da UFPel, acrescenta que, além das mudanças na atmosfera do planeta, o desmatamento da Amazônia pode impactar diretamente no clima e, consequentemente, na agricultura do Rio Grande do Sul.
— Se olharmos o globo, traçando uma linha ao longo das latitudes que cortam o Estado, é a única região que não possui deserto porque tem um sistema de corredor de umidade vindo da região Norte do Brasil. Mas a grande preocupação da comunidade científica é que, se continuar o desmatamento da floresta amazônica, ocorrerá a "savanização da região amazônica". Ou seja, a troca de uma floresta por árvores de menor porte — explica.
Hoje, de acordo com Lindemann, essa umidade vem do Oceano Atlântico tropical, passa pela Amazônia e chega ao Rio Grande do Sul. E é exatamente isso que proporciona as chuvas regulares no Estado gaúcho. Com a mudança da vegetação, o corredor de umidade se enfraqueceria e, automaticamente, mudaria o regime de chuvas no Sul, impactando no calendário do setor agrícola local. O clima, finaliza o meteorologista, não tem fronteiras.
Eventos climáticos extremos registrados em 2021
- O Canadá enfrentou uma forte onda de calor entre o final de junho e início de julho deste ano. A província da Columbia Britânica, na cidade de Lytton, por exemplo, chegou a registrar 47,5°C. A causa do fenômeno é rara de acontecer, pois se trata de um forte pico em um sistema de alta pressão, o que diminui a intensidade dos ventos e deixa o ar mais seco.
- Onda de calor no Mediterrâneo devasta florestas no sul da Itália com incêndios. A ilha de Sicília registrou em 12 de agosto deste ano 48,8°C, o que pode ser a maior temperatura já medida pelas autoridades, se confirmada pelas autoridades climatológicas europeias. Essa onda de calor é causada por um anticiclone vindo da África e que foi batizado de Lúcifer. Os anticiclones são áreas de alta pressão atmosférica.
- Na Grécia, o fogo já destruiu mais de 100 mil hectares desde o começo deste mês. Esse é o incêndio mais grave desde 2007, e provocou três mortes. Segundo dados oficiais, somente em oito dias foram contabilizados 586 incêndios, causados pela pior onda de calor em três décadas em um país mediterrâneo, apontam as autoridades locais.
- No oeste dos EUA, as temperaturas chegaram a níveis alarmantes no mês passado O Vale da Morte, na Califórnia, chegou a marcar 54°C. O calor se estendeu por grande parte do noroeste do Pacífico, pressionou as redes elétricas e alimentou grandes incêndios florestais, incluindo um incêndio no sul do Oregon que ameaçou 1,2 mil casas.
- A cidade de Pequim registrou sua manhã mais fria, em mais de 50 anos, em 7 de janeiro de 2021. Os termômetros marcaram -19,6°C.