Em 2019, três índios foram assassinados, o desmatamento na Amazônia bateu recorde e cresceu 29,5% em um ano e 72.501 quilômetros quadrados do bioma foram incendiados. Essas são apenas algumas das informações que balizam o relatório anual da Human Rights Watch. A organização não governamental (ONG) diz que o governo do presidente Jair Bolsonaro enfraquece as proteções ambientais ao dar carta branca às redes criminosas envolvidas no desmatamento ilegal.
O comunicado antecipa coletiva de imprensa que acontecerá nesta quarta-feira (15) em São Paulo, ocasião em que porta-vozes da ONG discutirão os pontos levantados pelo capítulo sobre o Brasil em 2019 sob o primeiro ano da gestão Bolsonaro.
A diretora da ONG no Brasil, Maria Laura Canineu, afirma, em comunicado, que os ataques do presidente às agências de fiscalização ambiental colocam em risco não só a Amazônia, mas também ativistas.
Em julho de 2019, Jair Bolsonaro criticou o então presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Ricardo Galvão, por dados preliminares de satélites do órgão que indicavam aumento de 68% no desmatamento da Amazônia em relação a julho de 2018. Na ocasião, o presidente disse que os dados prejudicavam a imagem do Brasil no exterior. A crítica culminou na demissão de Galvão.
Nos meses seguintes, o desmatamento seguiu aumentando e, em agosto, somou-se a isso o aumento nos focos de incêndio na região. O que ficou conhecido como "Dia do Fogo" deu início à segunda grande crise ambiental da gestão Bolsonaro: as queimadas de agosto.
Em 10 de agosto, o Inpe registrou uma explosão no número de focos de incêndio no Pará. As queimadas daquele dia foram organizadas por fazendeiros do entorno da BR-163 (que liga o Rio Grande do Sul ao Pará). O caso foi revelado pelo jornal Folha do Progresso em 5 de agosto e, de acordo com o jornal, o objetivo era mostrar ao presidente Jair Bolsonaro que os fazendeiros queriam trabalhar.
Até agosto de 2019, o Brasil registrou o maior número de incêndios desde 2010, mais da metade apenas na Amazônia e a grande maioria em propriedades privadas, segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
No mês seguinte, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reuniu-se, em Washington (EUA) com negacionistas do aquecimento global e que se opõem ao Acordo de Paris e ao protocolo de Kyoto. O encontro aconteceu um dia antes do Climate Week, maior foro de discussões sobre medidas para combater as mudanças climáticas.
Em setembro, Alter do Chão foi atingida por um incêndio de grandes proporções. No auge das queimadas, no mês anterior, Jair Bolsonaro havia acusado, sem provas, ONGs de estarem por trás dos incêndios.
Foi em novembro que a Polícia Civil do Pará prendeu quatro brigadistas ligados a ONGs em Alter do Chão por suspeita de terem causado os incêndios. O inquérito, entretanto, era frágil, reunia grampos telefônicos sem evidência de crime. Uma das seis pessoas que depuseram contra os brigadistas chegou a admitir que a suspeita de envolvimento dos acusados foi relatada à Polícia Civil em "tom de brincadeira".
Segundo a Humans Rights Watch, os posicionamentos do presidente dão margem para que grupos criminosos envolvidos com desmatamento ilegal possam agir e intimidar ativistas, moradores, autoridades e indígenas.
"Autoridades e moradores locais disseram à Human Rights Watch que os atos de intimidação por parte de grupos criminosos na Amazônia aumentaram significativamente em 2019, sob o governo do presidente Bolsonaro. Somente nos meses de novembro e dezembro, três indígenas foram assassinados", diz o comunicado da ONG.
Para a organização, os eventos de 2019 indicam que a discussão ambiental está diretamente relacionada à segurança pública e à Justiça.
— O ministro Sergio Moro determinou como prioridade de sua gestão o combate ao crime organizado e à corrupção. Esses crimes são elementos centrais da dinâmica que está impulsionando a destruição desenfreada da Amazônia. O Brasil precisa urgentemente que seu ministro da Justiça lidere uma resposta enérgica, em coordenação com as demais autoridades federais e estaduais, para desmantelar as redes criminosas que lucram com o desmatamento ilegal e que intimidam e atacam os defensores da floresta — diz Maria Laura.
A segurança pública e o sistema judiciário sob a atual gestão também foram duramente criticados. Para a ONG, o presidente Jair Bolsonaro incentiva a execução de suspeitos por policiais, inclusive por meio de tentativas de aprovar uma nova lei que tratasse mortes causadas por ações policiais como atos de legítima defesa.
Para discutir os temas abordados no relatório anual, membros da Human Rights Watch devem se reunir nos próximos dias com os ministros Ricardo Salles e Sergio Moro, além de outras autoridades ligadas à gestão Bolsonaro.