Após toda polêmica envolvendo a prisão de quatro brigadistas suspeitos de terem ateado fogo na Área de Proteção Ambiental (APA) Alter do Chão, no Pará, que rendeu uma acusação do presidente Jair Bolsonaro de envolvimento de Leonardo DiCaprio nas queimadas e uma resposta do ator hollywoodiano negando veemente qualquer participação, um novo episódio surge sobre a destruição da região de conservação da floresta amazônica.
Ainda em setembro, o prefeito de Santarém (PA), Nélio Aguiar (DEM), alertou o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), de que a queimada que destruiu parte da Área de Proteção Ambiental (APA) Alter do Chão foi provocada por "gente tocando fogo para depois fazer loteamento e vender terreno".
O aviso foi feito por mensagem de voz, que Aguiar enviou a Barbalho. Segundo a organização não governamental (ONG) Repórter Brasil, que a obteve e divulgou seu conteúdo do áudio, a comunicação foi feita em 15 de setembro, quando um incêndio de grandes proporções consumia parte da unidade de conservação florestal.
Na fala, Aguiar afirma que a área em chamas é uma "área de invasores", onde "o povo anda armado", dificultando a ação do Corpo de Bombeiros. O prefeito também menciona a participação de policiais nas invasões e loteamento de terras sob proteção.
"Os bombeiros só estão lá com a brigada, mas não está indo lá. Já falei para o coronel Tito que precisa ir o bombeiro e combater o fogo imediatamente, pois está muito seco aqui, muito sol", relatou o prefeito, no áudio.
Na sequência, Aguiar continua: "A Companhia Ambiental, a Polícia Militar, precisa ir junto, armada, para identificar estes criminosos. Isto é gente tocando fogo para depois poder fazer loteamento, vender terrenos. Temos que prender uns líderes destes, prender estes criminosos, e acabar com esta situação. Para isso, precisamos do apoio do Corpo de Bombeiros e do Estado do Pará", reivindica o prefeito.
Em nota divulgada nesta segunda-feira (2), a prefeitura confirma que Aguiar pediu ajuda ao governador e a outros parceiros, mas pontuou que a compreensão do teor do áudio divulgado pela imprensa "carece da contextualização da conversa".
"Na oportunidade, foram repassadas ao governador informações recebidas de comunitários que moram na região. O objetivo foi manter o governador informado para repasse aos órgãos de segurança do Estado e conseguir ajuda. Em nenhum momento houve a afirmação de condenar, acusar ou responsabilizar alguém."
Também por meio de nota, divulgada nesta segunda-feira (2), o governo estadual confirma que Barbalho recebeu a mensagem enviada por Aguiar.
"O Governo do Pará esclarece que (...) assim que recebeu a solicitação, o governador Helder Barbalho determinou que o Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar dessem suporte à operação de combate ao incêndio – o que foi feito. Todos os recursos foram disponibilizados, inclusive aeronave de combate a incêndios florestais. Não houve nenhum flagrante para que houvesse prisões", informa o governo paraense, reafirmando que está dando suporte às investigações a cargo da Polícia Civil e também da Polícia Federal.
Os dois inquéritos policiais foram instaurados logo após o início do incêndio na APA Alter do Chão. Após dois meses de investigação, a Polícia Civil do Pará deflagrou, na última terça-feira (26), a Operação Fogo do Sairé, que resultou na prisão preventiva de quatro brigadistas suspeitos de participação nos incêndios.
Linhas de investigação
Segundo a Polícia Civil, os quatro brigadistas são suspeitos de causar os incêndios que atingiram a Área de Proteção Ambiental (APA) para se autopromover e, assim, obter donativos em dinheiro de outras organizações não governamentais, entre elas a WWF-Brasil. Ainda de acordo com a Polícia Civil, os brigadistas também obteriam dinheiro vendendo imagens da floresta em chamas. No dia em que foi deflagrada a Operação Fogo do Sairé, com autorização da Justiça estadual, o diretor de Polícia do Interior, delegado José Humberto de Mello, afirmou à Agência Brasil que parte destes recursos teriam sido doados pela fundação mantida pelo ator americano Leonardo DiCaprio.
A investigação da Polícia Federal (PF), segundo a Procuradoria da República no Pará, segue outra linha de apuração. Em nota, o Ministério Público Federal (MPF) sustenta que, por enquanto, a apuração federal não apontou suspeitos e que "nenhum elemento (prova) apontava para a participação de brigadistas ou organizações da sociedade civil" nos incêndios.
No mesmo dia, a WWF-Brasil confirmou que repassou cerca de R$ 70 mil ao Instituto Aquífero Alter do Chão, organização responsável por manter as atividades da Brigada de Incêndio Florestal de Alter do Chão. Segundo a organização, o montante transferido deve viabilizar a compra de equipamentos de combate a incêndios florestais, como abafadores, sopradores, coturnos e máscaras de proteção usados pela brigada – selecionada com base "nas boas referências recebidas de nossos parceiros nossos e da ampla divulgação dos trabalhos prestados pelo grupo".
A WWF-Brasil negou ter pago pela aquisição de fotografias e garantiu jamais ter recebido dinheiro de Leonardo DiCaprio. O ator, conhecido por seu envolvimento com as causas de proteção ambiental, também negou que sua fundação financie as ONGs citadas na investigação da Polícia Civil. "Embora dignas de apoio, não financiamos as organizações citadas", garantiu DiCaprio em nota divulgada no último sábado (30).
Na quinta-feira (28), a Justiça do Pará determinou que os quatro brigadistas presos preventivamente três dias antes fossem soltos. A liberdade provisória foi decretada pelo titular da 1ª Vara Criminal de Santarém, o juiz Alexandre Rizzi, o mesmo que, com base no pedido da Polícia Civil, tinha decretado as prisões e negado o primeiro pedido de liberdade apresentado pelos advogados dos quatro brigadistas.
Poucas horas antes do magistrado expedir a ordem de soltura dos investigados, o governador Helder Barbalho tinha determinado a substituição do delegado responsável pelo inquérito policial, Fábio Amaral Barbosa, pelo diretor da Delegacia Especializada em Meio Ambiente, Waldir Freire Cardoso. Em um vídeo divulgado nas redes sociais, Barbalho afirmou que estava preocupado com os fatos ocorridos em Alter do Chão e que, por isto determinara a troca do delegado.
— O caso requer atenção e toda a transparência necessária. Ninguém está acima da lei, mas, ao mesmo tempo, ninguém pode ser vítima de prejulgamento ou ter seu direito à defesa cerceado. A minha preocupação é com a Amazônia. É com o direito das pessoas. E, acima de tudo, que o Estado possa cumprir de maneira efetiva e transparente os interesses e a defesa da nossa sociedade — acrescentou Barbalho.
Na nota divulgada nesta segunda-feira, o governo estadual se exime de responsabilidade pelas prisões. "A decisão de prisões e solturas são do juiz competente, não do Governo do Estado". E volta a defender a necessidade de "serenidade para que as devidas apurações sejam realizadas". "É fundamental que o Estado chegue aos autores, que devem pagar pelos crimes cometidos. Mas que isso ocorra nos marcos do Estado Democrático de Direito, sem espetáculo, prejulgamentos ou ideologias."