Transferido de São Francisco de Paula para Gramado por determinação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), um cervo vermelho que cativou moradores deve voltar ao município onde vivia, depois de um embate judicial entre moradores e o órgão estadual. Na segunda-feira (18), o juiz Carlos Eduardo Lima Pinto, da comarca de São Francisco, entendeu como "medida mais condizente" para o bem-estar do animal o "retorno imediato ao local que habitava".
A história de Chico, como foi batizado, começou em janeiro deste ano, quando o cervo, ainda filhote, apareceu nas terras de Jorge Marques, dono de uma fazenda que tem 170 hectares de área — no local, a família administra um paradouro e uma pequena pousada. Por ser um animal exótico, Jorge resolveu procurar, em maio, a promotoria do município para regularizar a situação e garantir a permanência do cervo na propriedade.
Acionada, a Divisão de Fauna da Sema inspecionou a área em que Chico vivia e optou pela remoção do animal. Em nota, a secretaria justificou a decisão:
"Por se tratar de um animal de espécie exótica em todo território nacional, que pode vir a ameaçar e colocar em risco as populações de animais silvestres nativos, o indivíduo foi destinado a cativeiro permanente em empreendimento autorizado pela Divisão de Fauna".
Assim, em setembro, Chico foi encaminhado pelo Estado ao Parque Aldeia do Papai Noel, em Gramado, que atendeu o pedido da secretaria e acolheu o cervo. O paradeiro do animal foi descoberto pelo antigos donos quando a advogada Daniella Pinto — que atua como voluntária no caso — viu nas redes sociais uma publicação do parque na qual eram pedidas sugestões de nomes para o cervo. A postagem gerou reações de moradores de São Francisco de Paula nos comentários, revoltados com a transferência de Chico.
Foi quando o filho de Marques decidiu fazer uma visita ao antigo amigo, em Gramado. Por ser jovem, Chico foi colocado em um espaço onde vive separado de outros animais — e que abriga também outros dois cervos, adultos. O local, conforme os antigos tutores, teria menos de dois metros quadrados — informação que é negada pela Sema, que se manifestou por meio de nota (leia abaixo).
— Por isso decidimos ajuizar a ação. Ele foi retirado da área em que nasceu, onde vivia livre, só porque tem que estar em cativeiro. Lá, precisa conviver com milhares de turistas dia e noite, em um cercado. Não é justo — diz Daniella. — Nós não sabíamos se ele iria voltar para o paradouro ou se iria para outro local, mas decidimos que iríamos buscar uma situação melhor para ele — defende.
Agora, com a decisão da Justiça, a família se prepara para o retorno de Chico.
— Todos estão extremamente felizes. Inclusive os netos do Jorge, que eram super apegados ao cervo. Quando fui contar a novidade, ficaram muito felizes, começaram a fazer planos, pensando em como vão receber ele quando chegar — conta a advogada.
Decisão judicial levou em conta o bem-estar animal
No despacho, o juiz ponderou sobre o risco que o cervo representa, levantado pela Divisão de Fauna, e sobre a argumentação de Daniella:
"Mesmo que se pondere a necessidade de exame do perigo de dano, é imperativo que se examine a questão sob o ponto de vista do bem-estar do animal. Primeiramente, Chico estava solto em uma propriedade com 170 hectares, ao contrário do cativeiro em que se encontra. É sabido que os animais se apegam àqueles que os alimentam e com quem convivem. Além disso, no local em que se encontra está sujeito a considerável estresse, decorrente do grande fluxo de turistas", avalia. "Não há dúvida, portanto, que a medida mais condizente com o seu bem-estar é o retorno imediato ao local que habitava", conclui, determinando a "imediata devolução do animal" ao antigo tutor.
Sema diz que cervo vive em espaço com mais de mil metros quadrados
Procurada, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente se manifestou por meio de nota. A Sema afirmou que a Procuradoria-Geral do Estado irá analisar o caso e decidir se entrará com recurso.
Em relação ao local em que Chico vive em Gramado, a pasta garante que Chico está em um recinto de 1.120 metros quadrados.
"A Sema autoriza, controla e fiscaliza empreendimentos de fauna regularizados e devidamente autorizados", diz a nota, a qual ressalta que "por se tratar de um animal de espécie exótica" o cervo "pode vir a ameaçar e colocar em risco as populações de animais silvestres nativos".
O espaço em que Chico vive no parque de Gramado é dividido em três, um para cada cervo que vive no local, diz a secretaria. "Os outros dois indivíduos da mesma espécie são machos adultos e, em período reprodutivo (setembro a novembro), podem se tornar agressivos", diz a pasta.
Parque de Gramado rebate críticas
A Aldeia do Papai Noel também rebateu as críticas de moradores. O parque afirmou, em nota, que o espaço destinado a Chico foi definido conforme a exigência legal.
"A cerca que divide o espaço dele dos outros cervos foi uma determinação para ajudar na adaptação gradual com os demais cervos", informa o comunicado.
Segundo o parque, o cervo não sai desse local para interagir com os visitantes. "Se quiserem ver as renas, (os visitantes) precisam ir até o espaço delas. Se elas estiverem próximas do espaço do público, dá para vê-las."
"Consideramos que nossa missão está cumprida. A pedido da Sema, acolhemos o filhote de cervo vermelho. Quando foi entregue à aldeia, em setembro deste ano, estava magro e com anemia. Passou por avaliações médicas, recebeu alimentação adequada e carinho de toda a nossa equipe. O tratamento recebido resultou em ganho de peso e início do crescimento das galhadas. Os últimos exames de sangue também mostram que ele não está mais anêmico. O filhote está hoje com ótima saúde. E nosso desejo é que ele continue com saúde e sempre bem cuidado. Ressaltamos que o cervinho sempre esteve à disposição da Sema. A secretaria solicitou o acolhimento à Aldeia do Papai Noel pela proximidade e bons cuidados com os animais dentro do parque", concluiu o parque na nota.
Chico cativou amizades em São Francisco
A forma como o filhote chegou à propriedade de Jorge Marques é desconhecida. A suspeita é de que a mãe tenha sido caçada por alguém e de que Chico, desnorteado, tenha se aproximado ainda mais do território onde os funcionários do paradouro circulam. Por ser jovem, os tratadores ficaram com receio de que o cervo se tornasse presa fácil de humanos ou de outros predadores e, por isso, o atraíram para a parte mais habitada da fazenda.
— Ele chegou e o tratamos como as ovelhas, como os terneiros e outros animais que nascem aqui. Demos leite e carinho para ele. Com o desmame, achamos que ele iria embora, mas ele acabou ficando e se acostumou a viver solto na natureza, com total liberdade de conviver com os cavalos — relata Marques.
Conforme crescia, Chico se transformou em uma das atrações do paradouro Rota das Barragens. Era comum vê-lo em fotos ou interagindo com os visitantes do local. A proximidade com humanos fez com que ele se tornasse dócil, segundo Marques.