A tranquila cidade de São Francisco de Paula, na Serra, teve sua rotina alterada nos últimos dias. Desde a semana passada, os habitantes da localidade estão em polvorosa nas redes sociais exigindo que um cervo vermelho, chamado Chico, seja retirado do Parque Aldeia do Papai Noel, em Gramado, e encaminhado novamente para a Fazenda Paradouro Rota das Barragens, propriedade privada onde ele foi encontrado e viveu por nove meses.
Todo o imbróglio e cabo de guerra começou em janeiro deste ano, quando o cervo, ainda filhote, apareceu nas terras de Jorge Marques, dono da fazenda que tem 130 hectares de área. Ele não sabe precisar como o filhote foi parar ali. A suspeita é de que a mãe tenha sido caçada por alguém e de que Chico, desnorteado, tenha se aproximado ainda mais do território onde os funcionários do paradouro circulam. Por ser jovem, os tratadores ficaram com receio de que o cervo se tornasse presa fácil de humanos ou de outros predadores e, por isso, o atraíram para a parte mais habitada da fazenda.
— Ele chegou e o tratamos como as ovelhas, como os terneiros e outros animais que nascem aqui. Demos leite e carinho para ele. Com o desmame, achamos que ele iria embora, mas ele acabou ficando e se acostumou a viver solto na natureza, com total liberdade de conviver com os cavalos — relata Marques.
Conforme crescia, Chico se transformou em uma das atrações da Rota das Barragens, era comum vê-lo em fotos ou interagindo com os visitantes do local, que funciona como pousada e restaurante. A proximidade com humanos fez com que ele se tornasse dócil, segundo Marques. Contudo, por ser um animal exótico, o dono da fazenda procurou, em maio, a promotoria de São Francisco de Paula para regularizar a situação e a permanência do cervo na propriedade.
A Divisão de Fauna da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) foi acionada, o paradouro foi inspecionado e foi decidido que o Chico deveria ser removido de lá. Por meio de nota, a assessoria de imprensa da Sema justificou a decisão:
"Por se tratar de um animal de espécie exótica em todo território nacional, que pode vir a ameaçar e colocar em risco as populações de animais silvestres nativos, o indivíduo foi destinado a cativeiro permanente em empreendimento autorizado pela Divisão de Fauna".
Por ser jovem, Chico vive sozinho, em um recinto de 1,050 metros quadrados, separado dos outros dois cervos do parque.
Apesar de estar em conformidade com a lei, são justamente essas condições que geraram a revolta dos moradores de São Francisco de Paula que, inclusive, alavancaram nas redes sociais a expressão "DevolvamOChico".
A batalha pelo retorno de Chico
Em setembro, ocorreu a transferência do cervo. Até então, o antigo tutor não sabia que Chico havia sido levado para o Parque Aldeia do Papai Noel, de Gramado. O paradeiro do animal foi descoberto pela advogada Daniella Pinto, que viu nas redes sociais uma publicação do parque na qual eram pedidas sugestões de nomes para o veado, relembra.
— Eu comentei esse post falando que ele tinha nome e que tinha sido retirado daqui pela Sema. Depois, eu fiz uma publicação falando que ele estava sendo utilizado como rena em Gramado. A partir daí, houve um envolvimento muito grande da comunidade local pela volta do Chico — afirma.
A advogada, que passou a atuar como voluntária no caso, explica que luta pela flexibilização da lei em prol do bem-estar animal:
— Embora entendamos a legislação, acreditamos que seja razoável considerar o bem-estar e saúde animal. Tirar o Chico de um ambiente aberto e livre para viver em um cativeiro, trancafiado, não é justo. Vamos fazer o possível para que ele fique em uma situação melhor do que a de agora.
Marques reforça o posicionamento de Daniella:
— Eu só quero que ele fique bem, que tenha liberdade e isso não quer dizer, necessariamente, que ele tenha que ficar conosco. Mas desejo que o Chico tenha uma condição de vida igual ou melhor da que ele tinha aqui.
A reportagem de GaúchaZH tentou contar a Aldeia do Papai Noel, mas não obteve retorno. Contudo, no dia 10 de novembro publicou uma nota, no Instagram, na qual afirma que tem autorização, desde 2006, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que atende "todas as condições e normas ambientais previstas na legislação própria".