Publicação que circula nas redes sociais pede que o ministro Sergio Moro (Justiça) exija que a Polícia Federal (PF) investigue o Greenpeace. O post sugere, de forma equivocada, que a ONG é responsável pelo vazamento de óleo nas praias do Nordeste. Não há, no entanto, nenhuma prova disso. Até o momento, ainda não se sabe quem são os responsáveis pelo vazamento.
O boato mente ao afirmar que o navio Esperanza, da ONG, estava no litoral brasileiro na mesma época em que o óleo começou a aparecer em praias do Nordeste. Na verdade, a embarcação passou pela costa brasileira mais de um mês depois do início do desastre ambiental, em 30 de agosto.
Além disso, a PF afirmou nesta sexta-feira (1º), ao deflagrar a Operação Mácula, que o principal suspeito pelo vazamento é o navio grego Bouboulina. A embarcação teria parado em Puerto José, na Venezuela, para ser carregada de barris de petróleo e, em 29 de julho, passado a 733 quilômetros da Paraíba. A PF diz que "não há indicação de outro navio (…) que poderia ter vazado ou despejado óleo, proveniente da Venezuela". Segundo a Marinha do Brasil, o navio já tinha sido detido nos Estados Unidos, por quatro dias, em abril, por risco de vazamento.
A única verdade na publicação checada pelo Comprova é sugerir que, caso queira, Moro pode mandar a PF investigar o Greenpeace. De fato, a Polícia Federal é um órgão submisso ao Ministério da Justiça. O ex-juiz, inclusive, já pediu, em outras ocasiões, que a PF abrisse investigações.
No desastre ambiental do Nordeste, a Polícia Federal faz a investigação criminal e a Marinha investiga a origem das manchas.
O boato checado pelo Comprova foi publicado pelo site Notícias Brasil Online. O G1 já revelou que o site é uma das maiores fábricas de desinformação na internet do Brasil.
Para o Comprova, falso é o conteúdo divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Como verificamos
O Comprova entrou em contato com a Polícia Federal e o Ministério do Meio Ambiente. Também consultamos reportagens publicadas pela imprensa sobre o assunto.
Você pode refazer o caminho da verificação do Comprova usando os links para consultar as fontes originais.
O navio do Greenpeace passou pelo Brasil na época dos vazamentos?
Não. O vazamento teria ocorrido em 29 de julho, a 733 quilômetros da costa de Sergipe, segundo a Polícia Federal. As manchas de óleo começaram a aparecer em praias brasileiras em 30 de agosto, segundo o Instituto Nacional de Meio Ambiente (Ibama), que mostra os dias em que o óleo começou a aparecer e aponta quais praias foram atingidas.
Nessa época, o navio estava nas ilhas Bermudas, região próxima aos Estados Unidos. A embarcação se dirigia à Guiana Francesa para realizar uma pesquisa em corais durante agosto e setembro.
O Esperanza trafegou pelo Nordeste cerca de um mês depois do desastre ambiental, conforme cruzamento da rota marítima do navio com as datas de registro de cada localidade atingida pelo óleo.
Segundo o registro do site Marine Traffic, que acompanha via GPS a localização em tempo real de embarcações pelo mundo, o navio do Greenpeace deixou o porto de Dégrad des Cannes, na Guiana Francesa, em 5 de outubro. O navio transitou pela região costeira no Norte e no Nordeste do Brasil entre os dias 6 a 16 de outubro.
Além disso, a foto do navio divulgada no post para acusar o Greenpeace é velha. A imagem foi feita em 30 de abril de 2016 e divulgada no site oficial da ONG.
É possível verificar que a foto é de três anos atrás ao fazer o download da foto, clicar com o botão direito nela na pasta em que foi salva no computador, escolher a opção "Propriedades", "Detalhes" e ver a data: 30/04/2016.
Em sua página, o Greenpeace explica que o Esperanza é um navio que, desde abril, está viajando pelo mundo para defender a preservação dos oceanos e conscientizar as pessoas sobre o impacto das mudanças climáticas na Terra.
Veja as praias do Nordeste atingidas pelo óleo
Há alguma relação entre o navio e o vazamento?
Não há evidências de relação entre a embarcação do Greenpeace e o vazamento. A insinuação de que o Greenpeace esteve relacionado ao vazamento de óleo no Nordeste foi levantada pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. No Twitter, ele sugeriu que o navio estava na costa brasileira antes do desastre ambiental. Salles também compartilhou texto que cita que voluntários precisam "limpar a sujeira do chilique ambiental" do Greenpeace.
Ao Comprova, a pasta informou que "não houve nenhuma acusação por parte do ministro, salvo a crítica pela entidade não colaborar consistentemente com a limpeza das praias".
Após a acusação de Ricardo Salles, o Greenpeace emitiu nota repudiando-o por "jogar a culpa nas ONGs que fazem o trabalho que o governo não faz". A ONG destacou que seus voluntários estão inclusive ajudando na limpeza das praias.
"O Greenpeace atua há décadas contra a exploração de petróleo em áreas sensíveis e destaca os riscos que a atividade coloca ao meio ambiente. Há anos vemos paisagens sendo afetadas, a perda de biodiversidade e os impactos sociais causados pelo petróleo, que também é um dos principais causadores das mudanças climáticas no mundo", diz a ONG.
O ministro da Justiça tem competência para determinar a abertura de uma investigação?
Em casos de "crime contra a honra do presidente", se o ministro da Justiça exigir, a Polícia Federal deve instaurar inquérito policial, informou a Polícia Federal ao Comprova. A PF também pode começar uma investigação, a pedido do Ministério da Justiça, em casos de "repercussão interestadual ou internacional que exija repressão uniforme".
Em outros casos, a Polícia Federal tem "autonomia investigativa" – isto é, poder decidir o que será e o que não será investigado. O regimento interno da Polícia Federal diz que a instituição é fundada "na hierarquia e disciplina, com autonomia orçamentária, administrativa e financeira, integrante da estrutura básica do Ministério da Justiça e Segurança Pública".
No entanto, é preciso ressaltar que a PF responde ao Ministério da Justiça: é o presidente da República que nomeia o diretor-geral, e o orçamento da instituição é definido pelo Planalto. Há, portanto, uma relação de hierarquia entre ministro da Justiça e PF. No dia a dia, delegados podem ser retirados de investigações ou transferidos para outras cidades.
O presidente Jair Bolsonaro foi criticado ao nomear o superintendente da PF no Rio. Após críticas, Bolsonaro disse: "Quem manda sou eu".
Na época, o presidente da Associação dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, disse ao site Congresso em Foco que a PF iria buscar autonomia total para evitar a interferência de Bolsonaro e confessou que a instituição sofre pressão no dia a dia:
— Há 10 anos dizemos que há possibilidade de interferência política na PF. Nesse caso, agora, foi público. Mas há formas de se fazer isso nos bastidores, com corte de verba, transferências e promoções estratégicas. Ninguém fica sabendo disso.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, já determinou, por exemplo, que a PF investigue as queimadas na Amazônia produzidas por fazendeiros, a ameaça de um youtuber ao presidente Jair Bolsonaro, o caso "Hélio Negão" e até autores de um curta sobre a filha de Moro. Mais recentemente, Jair Bolsonaro pediu que Moro faça a PF investigar a citação do presidente no caso Marielle Franco.
Repercussão nas redes
O Comprova verifica conteúdos duvidosos sobre políticas públicas do governo federal que tenham grande potencial de viralização.
O texto verificado foi publicado no site Notícia Brasil Online e obteve mais cerca de 3,6 mil interações até o dia 1º de novembro, segundo a ferramenta Crowdtangle. O Estadão Verifica, a Agência Lupa e a AFP Checamos também verificaram o boato.
Projeto Comprova
A verificação exposta nesta reportagem foi conduzida pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 24 veículos de mídia, incluindo GaúchaZH, para combater a desinformação sobre políticas públicas federais. A apuração deste texto foi feita por GaúchaZH e Estadão, e verificada, por meio do processo de rechecagem, por outros seis veículos: Poder360, SBT, Correio da Bahia, Jornal do Commercio, A Gazeta e UOL.