Uma viatura da EPTC circula pelas ruas dos bairros Bom Fim e Moinhos de Vento, no final da manhã de uma terça-feira, 17 de maio, em Porto Alegre. No banco do carona, o agente de fiscalização de trânsito e transporte Denis Andrade Pereira começa a apontar com facilidade infrações de uso de celular ao volante.
— Olha ali, ó. Digitando, mexendo na rede social mesmo parado, não pode. Essa motorista será multada, estava com o celular com o veículo em movimento — comenta ele, enquanto anota a placa do carro que passava pelos agentes e pela reportagem de GZH na Rua Mostardeiro.
Dirigir manuseando ou segurando o celular dentro do veículo é a quarta infração mais registrada na Capital, conforme dados da EPTC de 2017 a 2022. Em 2021, foram 26.652 multas, o que equivale a uma a cada 20 minutos.
A quantidade já foi maior, como nos anos 2017 e 2018 (30.969 e 33.200, respectivamente). Em 2019, o número começou a cair e foi para 26.296. Já em 2020, ano do começo da pandemia, a queda foi brusca, chegando a 14.495 (veja gráfico abaixo).
Os dados se referem à penalidade que está no artigo 252 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que proíbe dirigir manuseando ou segurando o celular. Esse enquadramento específico — que flagra o motorista com o aparelho na mão — é de novembro de 2016 e foi incluído pela Lei nº 13.281 em razão do avanço da tecnologia. A infração é considerada gravíssima, com multa de R$ 293,47 e resulta em sete pontos na carteira de habilitação.
O artigo 252 do CTB ainda conta com mais uma referência a aparelhos eletrônicos, que proíbe dirigir usando fones de ouvido conectados a aparelhagem sonora ou fazer ligação com celular. Neste caso, a infração é classificada como média, de quatro pontos, com multa de R$ 130,16.
— Alguns fatores precisam ser levados em consideração antes de fazer a abordagem (do motorista). Ela vai ser segura para o trânsito? O motorista já não está distraído demais e eventualmente a abordagem vai tirar ainda mais a atenção dele? Daí o agente tem o treinamento para saber se será positivo ou negativo fazer — explica o diretor-presidente da EPTC, Paulo Ramires, sobre as multas aplicadas sem parar o condutor.
Rochane Ponzi, advogada e observadora certificada do Núcleo de Esforço Legal do Observatório Nacional de Segurança Viária, defende que o aumento nas abordagens pode ser uma solução para conscientizar mais os motoristas.
— Tu estás chamando a atenção na hora, é muito complicado tu pensar no caráter educativo de uma penalização quando ela chega quase 30 dias depois. Se você está no celular, tu nem sequer viu o agente te autuando, vem aquela desculpa do ser humano: “Isso aqui é a indústria da multa”, “Eu nem estava no celular”.
Em âmbito estadual, as infrações ligadas ao artigo 252 ocuparam o nono lugar entre as mais cometidas entre 2016 e 2021, segundo o Detran/RS. Das 510 mil autuações, 431 mil foram decorrentes do uso de celular.
— Bati (o carro) sem pisar no freio, porque estava com o celular na mão e prestando atenção 95% nele e 5% no trânsito. Entrei embaixo de um ônibus com o Celta que eu tinha. Perdi o carro, levei cinco pontos no olho, estava sem cinto — relata a GZH um motorista que sofreu um acidente em 2019, na Avenida Rio Grande, em Canoas, e prefere não se identificar.
Em 2021, o Rio Grande do Sul teve o maior número de multas gravíssimas por uso de celular. Foram 28.755 autuações por dirigir manuseando o telefone e 35.341 por segurar o aparelho dentro do veículo (veja os registros ao longo dos anos na tabela abaixo).
— A questão do celular também acomete pedestres, porque eles vão cegos pelo uso do celular e surdos pelo uso do fone. Então não escutam os ruídos do trânsito. Andando de bicicleta é a mesma coisa — alerta Diza Gonzaga, diretora institucional do Detran/ RS e presidente da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga — Vida Urgente.
Pela facilidade de esconder o aparelho e pela dificuldade de descobrir se uma vítima fatal usava, ou não, o telefone, os órgãos de trânsito gaúchos não conseguem contabilizar exatamente o número de acidentes provocados pela distração do motorista. No entanto, há estudos que mostram que aquela "olhadinha rápida" oferece riscos altos de provocar um acidente.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) constata estimativa preocupante: motoristas que utilizam celulares enquanto dirigem têm cerca de quatro vezes mais chances de estarem envolvidos em uma colisão. Já a Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) estima que digitar uma mensagem de texto enquanto se conduz um veículo a 80 km/h equivale a dirigir com os olhos vendados por um percurso de até 100 metros.
Para entender o nível de desatenção dos motoristas com o uso do celular, o psicólogo Marcelo Rossoni da Rocha fez um estudo em 2019 com 23 jovens, que estavam nos primeiros cinco anos de carteira de habilitação definitiva (a partir dos 19 anos). Os voluntários dirigiram em um simulador no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e foram expostos a situações para avaliar os reflexos com e sem o uso do celular ao volante.
— Há um momento na simulação em que um veículo corta a frente do participante. A gente procurava testar se ele conseguiria frear a tempo. Isso ocorre nos três cenários (mandando mensagem de áudio, de texto e sem o telefone). Verificamos que quem estava enviando mensagem precisou apertar muito mais o pedal para evitar a colisão — analisa o psicólogo.
A falta de atenção e as outras causas que levam a acidentes de trânsito motivaram o Observatório Nacional de Segurança Viária a criar a campanha Maio Amarelo. A escolha da cor não é por acaso: em referência ao sinal de advertência no semáforo, a iniciativa busca uma mudança de comportamento para salvar vidas.
— O comportamento inseguro no trânsito pode gerar a perda de uma vida, inclusive a sua e a de alguém muito importante para você — enfatiza a observadora certificada Rochane Ponzi.
E como ficam os motoristas de aplicativo e taxistas?
A legislação é um desafio para motoristas de aplicativo e taxistas que trabalham com os telefones para aceitar corridas e se comunicar com passageiros. O dilema envolve mais de 100 mil condutores cadastrados no Sindicato dos Motoristas em Transportes Privados por Aplicativos do Estado do Rio Grande do Sul (Simtrapli-RS).
— Eu sei que muitos colegas são multados pelo uso do celular e às vezes só porque o celular está no painel e eles mexeram para iniciar o aplicativo ou mexer no GPS. O agente de trânsito vê e acaba multando — comenta Carina Trindade, presidente da entidade.
Sobre o uso do celular preso ao painel, o agente de fiscalização de trânsito e transporte da EPTC Denis Andrade Pereira explica que não há proibição, desde que seja apenas um celular. O equipamento também não pode atrapalhar a visão do condutor e o manuseio da direção. Pereira orienta que os motoristas parem em local permitido para se comunicar com passageiros e aceitar corridas.
— A gente só não quer que use o celular enquanto dirige. Nem com o agravamento das infrações percebe-se uma diminuição. A gente coíbe com fiscalização e com campanhas educativas. Isso vale para ciclista e pedestre que também oferecem risco ao andar olhando o celular — afirma o agente.
A preocupação com o uso dos telefones também está na rotina do sindicato que representa quem trabalha no transporte por aplicativos. A presidente Carina Trindade salienta que a entidade procura orientar os condutores sobre os riscos.
— Sempre tentamos conscientizar o motorista de que o problema não é só a multa e os pontos, mas causar acidente gravíssimo. A gente faz conscientização nos grupos, redes sociais do sindicato.