Motoristas têm enfrentado um cerco mais rigoroso ao descumprirem a lei no Rio Grande do Sul. Em uma década, o número de processos abertos pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran) para suspender ou cassar o direito de dirigir de condutores infratores disparou 10,5 vezes.
O crescimento se explica pelo incremento de ações de fiscalização, como a Balada Segura, e está amparado na estratégia dos órgãos de trânsito de retirar de circulação os considerados maus motoristas. Para o Detran, o efeito da medida contribuiu para um tráfego mais seguro.
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No primeiro trimestre de 2008, o departamento instaurou 1.825 processos de suspensão ou cassação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) no Estado. Em igual período deste ano, foram 19.199 – alta de 952%. Segundo o chefe da Divisão de Suspensão e Cassação de Condutores do Detran, Anderson Barcellos, o aumento também ocorre em razão da consolidação de ações conjuntas com outros órgãos de fiscalização, como a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Brigada Militar e os departamentos municipais (EPTC, por exemplo).
– O número de abordagens e autuações aumentou e, consequentemente, também cresceu a quantidade de processos de suspensão e cassação do direito de dirigir. É uma medida que visa a alterar o comportamento do condutor infrator, buscando um trânsito mais seguro. Infelizmente, isso só ocorre por meio da aplicação de penalidades, porque os condutores, no geral, não respeitam as leis de trânsito – avalia Barcellos.
Em caso de suspensão ou cassação da CNH, o condutor deve abandonar o volante por até dois anos e precisa se submeter a um curso de reciclagem. Os processos são abertos quando o motorista atinge 20 pontos ou mais na carteira ou se é flagrado na direção embriagado, conforme previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). A medida também se aplica a quem ultrapassa o limite de velocidade acima de 50% do permitido ou participa de racha.
Diante da possibilidade menor de sair impune, a professora do Departamento de Engenharia de Produção e Transportes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Christine Nodari acredita em um impacto positivo na segurança viária. Na sua avaliação, a punição provoca mudança de condutas:
– Todo mundo conhece alguém que já teve a carteira suspensa, e isso está modificando comportamentos. Nos próximos anos, acredito que o número de processos instaurados deve cair, porque as pessoas tendem a parar de fazer o que pode ser ruim para elas. A maior rigidez leva à mudança de comportamento, que acarreta a melhoria da segurança do trânsito, com queda no número de acidentes graves e mortes.
Muitos infratores ainda estão dirigindo
Porém, a punição não garante que o motorista transgressor se afaste da direção. O presidente do Conselho Estadual de Trânsito (Cetran), Luiz Noé, admite que muitos infratores seguem circulando no comando de um veículo.
– Há pessoas que simplesmente não cumprem a regra. O Estado executa todo o procedimento, concede prazo para recurso, envia para julgamento e cassa a carteira do mau motorista. Mas, mesmo assim, ele continua dirigindo. É a cultura da impunidade, que só pode ser coibida com educação – entende Noé.
Se flagrado, o reincidente que está com o direito de dirigir suspenso passará por um procedimento mais grave, o de cassação da carteira. Caso já esteja nessa situação, a punição é mais severa, podendo resultar até mesmo em prisão.
Nem 1% dos motoristas ganha recursos
A abertura de um processo de suspensão da habilitação não significa o recolhimento imediato do documento, uma vez que a punição só ocorre passada a última possibilidade de defesa. No Rio Grande do Sul, a conclusão do procedimento leva, em média, três anos. Atualmente, 103,5 mil motoristas gaúchos estão impedidos de pegar no volante em um universo de 4,8 milhões.
Após a notificação, o condutor pode, inicialmente, se defender junto ao Detran. Se perder, ainda tem direito a entrar com recurso na Junta Administrativa de Recursos em Infrações (Jari) e, depois, no Conselho Estadual de Trânsito (Cetran).
Mas dados do órgão revelam que a possibilidade de reverter o processo é ínfima. Dos 4.930 recursos de suspensão julgados pelo conselho no primeiro trimestre deste ano, somente oito foram aceitos – o equivalente a 0,16%. Nas cassações, apenas três das 765 análises foram deferidas.
– O crescente número de recursos implode qualquer sistema. No Brasil, temos o hábito de judicializar as condutas. Não tem como o Estado estar em todas as esquinas fiscalizando. Então, temos de mudar culturalmente para melhorar as más condutas no trânsito – defende o presidente do Cetran, Luiz Noé.
Na avaliação de André Luís Souza de Moura, diretor do Departamento de Direito de Trânsito do Instituto dos Advogados do Estado, os dados revelam excesso de punição pelos órgãos de fiscalização.
– A grande distorção que temos hoje é um aumento demasiado de processos de suspensão e cassação. Será que está certo? Sim, o número tem de crescer porque há maior fiscalização, mas aumentou demais porque não está se levando em conta a qualidade dos procedimentos, a função pedagógica de punir o infrator, e somente a arrecadação – argumenta.
O Detran sustenta que aplica infrações somente dentro de suas competências, estabelecidas pelo Código de Trânsito Brasileiro.
– O condutor que respeita as leis não sofre qualquer tipo de penalidade – afirma Anderson Barcellos, chefe da Divisão de Suspensão e Cassação de Condutores.
Entenda a diferença
Suspensão
Punição: sem direito de dirigir pelo prazo que varia de dois meses a dois anos.
Quando é aplicada: quando o motorista alcança 20 pontos ou mais no período de 12 meses ou em casos de infrações como dirigir embriagado, conduzir em velocidade acima de 50% do limite da via ou participar de racha.
Como a carteira é recuperada: o condutor entrega a CNH, aguarda o fim do período da punição e se submete a um curso de reciclagem.
Cassação
Punição: sem direito de dirigir pelo prazo de dois anos.
Quando é aplicada: quando, suspenso, o condutor é flagrado dirigindo, no caso de reincidência em algumas infrações no período de 12 meses ou por determinação judicial.
Como a carteira é recuperada: transcorrido o prazo de dois anos, o motorista precisa reiniciar todo o processo para obter uma habilitação.
Um longo processo
Passo a passo do procedimento administrativo de suspensão:
1 - O motorista soma 20 pontos ou mais na CNH ou comete infração que prevê suspensão (dirigir embriagado, velocidade acima do 50% permitido ou racha). Após os recursos das infrações, abre-se o processo para suspender o direito de dirigir.
2 - O condutor tem prazo de 15 dias para apresentar a defesa no Departamento Estadual de Trânsito (Detran).
3 - Se negado, o motorista tem mais 30 dias para levar o seu recurso para a Junta Administrativa de Recursos em Infrações (Jari) do Detran.
4 - Caso o argumento seja rejeitado novamente, o condutor ainda pode recorrer ao Conselho Estadual de Trânsito (Cetran), última instância administrativa, no prazo de 30 dias.
5 - Se a suspensão for mantida, o motorista é notificado e tem 48 horas para entregar a CNH em um Centro de Formação de Condutores (CFC). Só poderá reaver a licença depois de cumprir o prazo da punição e realizar o curso de reciclagem.
6 - Se o motorista suspenso for flagrado dirigindo, estará cometendo crime de trânsito e será aberto processo de cassação de sua CNH. Se a carteira já estiver cassada, o motorista também estará cometendo crime e sofrerá sanções que podem resultar até em prisão. Caso seja aberto novo procedimento em relação a esse motorista, o tempo que ele ainda tinha de suspensão se somará ao de cassação, que é de dois anos.