A fim de projetar ações de reconstrução, mitigação e resiliência para o futuro após as enchentes no Rio Grande do Sul, a Secretaria Estadual de Inovação, Ciência de Tecnologia (Sict) tem ocupado, além do Centro Administrativo, espaços no TecnoPUC, para interagir com os diferentes atores desse processo. Entre as frentes trabalhadas pela pasta, duas são destacadas pela secretária:
— Já nos primeiros dias, começamos a fazer um mapeamento do ecossistema de inovação, ciência e tecnologia, no sentido de que toda academia e empresa do RS apresentasse soluções para este momento calamitoso. Também estamos criando, junto a outros parceiros, a Rede Gaúcha de Ambientes de Inovação. Recebemos propostas de soluções, fazemos uma curadoria, para dar segurança a quem entrar em contato, e publicamos esses materiais em um catálogo dedicado a este momento — descreve Simone Stülp.
O catálogo, disponível neste link, abrange alternativas públicas e privadas para mitigar problemas causados pelas cheias e qualificar processos e prevenção de desastres ambientais.
No Conselho Estadual de Inovação, Ciência e Tecnologia, quatro grupos de trabalho foram criados para pensar soluções relacionadas às inundações: um destinado à emergência, outro à reconstrução, um terceiro focado no futuro do Estado e um último para o mapeamento de oportunidades e busca de recursos para a execução dos projetos. A previsão é de ações de curto, médio e longo prazo. Os projetos devem ser apresentados em meados de junho.
Uma parceria já posta em prática é a plataforma Solidariedade RS, desenvolvida de forma gratuita pela startup WideLabs, na qual abrigos, organizações não governamentais e instituições se cadastram e indicam os itens dos quais necessitam. Divulgada no dia 22 de maio pelo governo do Estado, ela não parece, entretanto, ser atualizada com frequência – na segunda-feira (27), a necessidade de abrigo mais recente no portal era de 23 de maio.
Em breve, uma iniciativa vinculada ao acolhimento de pets também irá ao ar. A ideia é encontrar uma forma estruturada de lidar com a existência de muitos cães e gatos perdidos de seus tutores, tanto no sentido de reencontrar essas famílias como no de buscar novos lares.
Conforme a secretária, desde o início do ano passado a Sict coloca, em seu planejamento estratégico, a área da sustentabilidade como prioritária. Desde 2019, a pasta também possui o programa Inova RS, no qual oito macrorregiões elencaram seus temas prioritários. Em muitas delas, a questão ambiental também surgiu.
— Muitos dos projetos têm enfoque no desenvolvimento de metodologias para melhor compreensão dos fenômenos e tecnologias voltadas para soluções ambientais. Um exemplo é um edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul para financiar projetos, com valor de R$ 15 milhões, com o objetivo de monitorar os gases de efeito estufa — cita Simone.
Outros projetos visam mitigar os problemas causados pela estiagem, também recorrente no Rio Grande do Sul, a partir de novas tecnologias de aproveitamento da água.
Repositório de mapas da UFRGS
Destaques desde o início da cheia no Guaíba, em Porto Alegre, os mapas elaborados por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS têm auxiliado imprensa, sociedade civil e poder público a identificarem com antecedência quais regiões são mais propícias a serem atingidas por inundações. Diante da demanda crescente por informações, o grupo lançou um repositório com esses mapas, ampliando as análises, também, para as regiões Metropolitana, Vale do Taquari, Vale dos Sinos e Sul do Estado.
A proposta é centralizar informações cartográficas da tragédia, tendo em vista a disponibilização de informações para análises da situação e a colaboração acadêmica nas análises, mas o site também é indicado para jornalistas e mesmo para o público em geral, pois há dados publicados de forma mais simplificada.
Diante da iminência da cheia do Guaíba registrada em novembro de 2023, os pesquisadores do IPH resgataram das prateleiras da UFRGS o trabalho de conclusão de curso do engenheiro ambiental José Augusto Müller, com uma análise de como seria a enchente de 1941 hoje em dia em Porto Alegre. Foi a partir desse trabalho que novas simulações foram realizadas no início de maio, apontando quais regiões seriam afetadas se o sistema de proteção contra cheias não existisse e não funcionasse.
— No dia 3 de maio, quando divulgamos os primeiros mapas, tive que explicar para muitas pessoas que aquilo era uma simulação caso o sistema de proteção falhasse. Só que, em menos de 24 horas, o sistema entrou em colapso e, infelizmente, a projeção se confirmou: todos os lugares falharam. Aí, a mancha do mapa deixou de ser de risco e passou a ser de inundação mesmo — conta Iporã Possantti, engenheiro ambiental, hidrólogo, mestre em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental e doutorando no IPH.
A partir daí, diferentes mapas interativos foram elaborados, para ajudar a informar a população durante a crise. Junto à equipe do IPH, se somaram dezenas de voluntários e pesquisadores de outros braços da UFRGS. Novas camadas foram adicionadas a esses mapas, contendo, por exemplo, os locais onde foram instalados abrigos, onde estão as estações de tratamento de água, comportas e casas de bomba. Mais de 50 pessoas apoiam o trabalho.
Nos mapas, há dois tipos de simulação hidrológica: a hidrostática e a hidrodinâmica. Na hidrostática, é usada a topografia da cidade para definir em qual nível a água chegará. Na hidrodinâmica, a simulação leva em conta o dinamismo da água, já que a água não é estática e muda de nível, dependendo do lugar. Enquanto a simulação hidrostática é mais rápida de fazer, mas menos precisa, a hidrodinâmica é mais complexa, mas com dados mais acurados.
— São técnicas que requerem um diploma de Engenharia para poder explicar e sustentar o que aquele dado significa. A maioria dos aplicativos de inovação liga ofertas a demandas. No nosso caso, estamos fazendo algo que requer conhecimento técnico e especializado, logo, é uma informação escassa, e por isso teve tanta importância — observa Possantti.
Agora, com o nível dos rios baixando, começa o período de observação, para averiguar aonde a água chegou, a partir de saídas de campo e imagens de satélite. Depois, os dados são mensurados. Os governos estadual e federal têm acessado os dados da UFRGS para fazer seus próprios trabalhos de análise.
Possantti chama a atenção para a existência de um capital humano muito potente no RS, formado por pesquisadores e pela iniciativa privada, que tem sido útil e deve ser valorizado. Na sua opinião, todo esse conhecimento acumulado agora, com essa experiência, também deve servir de legado, não apenas como um memorial do que aconteceu, mas também para embasar o trabalho do poder público relativo às enchentes que ainda virão – e elas virão.