O Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da UFRGS deixou temporariamente de considerar os três metros como a cota oficial de inundação do Guaíba nos boletins que emite diariamente. Para os hidrólogos, há suspeita de desnivelamento da nova régua instalada pelo governo do Estado em relação ao equipamento antigo. Se isso for confirmado, exigirá a definição de uma nova cota de cheia.
No boletim de projeção do Guaíba emitido nesta segunda-feira (27), os hidrólogos não fazem referência à tradicional cota de inundação (veja a íntegra do comunicado abaixo). Isso ocorre porque, caso a nova régua esteja instalada em um ponto mais profundo do que o equipamento anterior, o Guaíba voltará ao curso em um ponto acima dos três metros.
— Agora será necessário definir, para este novo ponto de medição, qual será a cota de inundação e, consequentemente, quanto falta para o fim da cheia — explica o hidrólogo Rodrigo Paiva, que tem produzido boletins diários de projeção do Guaíba.
O eventual desnivelamento das réguas pode explicar, segundo os hidrólogos, a razão de o Guaíba estar, visualmente, com as águas mais baixas na região central do Cais Mauá do que o indicado pela medição oficial no site do governo do Estado.
Se a suspeita de desnivelamento se confirmar, a medição antiga e a atual serão dados independentes entre si e não poderão ser consideradas como uma série única de dados.
Procurado, o governo do Estado afirmou, segunda-feira (27), que segue considerando em três metros a cota de inundação do Guaíba. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), órgão responsável pela medição, diz que a régua nova funciona corretamente e fornece um parâmetro para monitoramento da cheia.
Régua foi trocada de local durante a enchente
A medição do Guaíba, historicamente, é feita pelo governo do Estado, na área mais central do Cais Mauá. Essa estação é nomeada no sistema de divulgação como “Cais Mauá – C6”.
A estrutura foi destruída pelo avanço das águas em 2 de maio, deixando o monitoramento do Guaíba temporariamente às escuras. Emergencialmente, equipes do governo do Estado instalaram, em 3 de maio, uma nova estação de medição do nível do Guaíba em outro ponto, onde havia condições técnicas de acesso.
O novo local também fica no Cais do Porto, mas nas proximidades do Gasômetro, a cerca de 2,5 quilômetros da estação anterior. Apesar da alteração de equipamento e de local, o governo do Estado seguiu chamando a nova estação de “Cais Mauá – C6” e continuou divulgando os dados na mesma série histórica.
Durante a instalação da nova régua, as equipes do governo do Estado tentaram manter o nivelamento do novo equipamento com o antigo, para garantir a continuidade de monitoramento nos mesmos parâmetros. Contudo, segundo avaliação preliminar de hidrólogos do IPH, o comportamento do Guaíba naquele momento crítico gerou expressiva inclinação das águas, dificultando o processo de nivelamento e fazendo com que a nova régua acabasse fundada em outro patamar.
Os dados produzidos pela nova estação são considerados, até aqui, confiáveis pelos hidrólogos do IPH. Isto é, no local e nas condições em que foi instalada, a nova régua mede o nível do Guaíba. Contudo, em se confirmando a diferença de nivelamento, tais medições não podem ser comparadas com os dados históricos produzidos pela antiga estação. Também será preciso considerar uma nova cota de inundação, isto é, um ponto na nova régua que expresse o momento em que as águas do Guaíba extrapolam os limites e avançam sobre o centro da cidade.
"Isso significa que o patamar de três metros adotado como referência de cota de inundação no ponto de medição original do Cais Mauá corresponde a um valor mais elevado no ponto da nova régua instalada e oficialmente usada”, diz trecho da nota técnica divulgada na última semana pelos hidrólogos Rodrigo Paiva, Fernando Fan, Matheus Sampaio, Fernando Dornelles, Joel Goldenfum, Leonardo Laipelt e Alfonso Risso.
Assim, pelos parâmetros atuais de medição, o Guaíba poderá voltará ao seu curso no centro de Porto Alegre com a régua mostrando o nível acima dos três metros. Equipes de hidrólogos buscam definir qual o novo ponto de corte.
Outro efeito esperado de uma eventual reavaliação dos dados produzidos na nova estação é de que o pico da atual cheia fique abaixo do inicialmente aferido, se considerar o antigo nível de referência.
Em nota emitida no dia 24 de maio, o governo do Estado indicou que deve haver “necessidade de ajustes futuros” e que a cota máxima do nível do Guaíba durante esta enchente deverá ser reavaliada, "quando houver condições técnicas para isso".
Nota técnica de hidrólogos do IPH sobre a medição do Guaíba
"Nota Técnica
Instituto de Pesquisas Hidráulicas - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
23/05/2024
Rodrigo Paiva, Fernando Fan, Matheus Sampaio, Fernando Dornelles, Joel Goldenfum, Leonardo Laipelt, Alfonso Risso
Sobre a referência de níveis d´água no monitoramento do Guaíba.
Conforme a nota da SEMA divulgada em 23/05/2024, durante a cheia de maio de 2024 foi necessária instalação de nova régua e sensor de medição de níveis. O sensor parou de funcionar às 23h de 02/05 (quinta-feira), foi instalada a régua em 03/05 (sexta-feira), e instalado o novo sensor automático no dia 04/05 sábado por parte das equipes da SEMA e SGB em outro local. Neste dia, o Guaíba apresentava rápida elevação de níveis. A nova medição foi instalada a uma distância de aproximadamente 2,5 km ao sul da referência anterior. Neste procedimento, foi considerado o nível d´água horizontal do Guaíba, de forma que a nova régua e sensor indicassem o mesmo nível de aproximadamente 4,58 m do ponto original no momento da sua instalação. Esta escolha foi adequada considerando as informações disponíveis, a urgência de reestabelecer o monitoramento, além do fato do Guaíba apresentar baixa declividade na maior parte do tempo, seja durante os períodos de águas baixas ou nas cheias comuns conhecidas até então, que são menores e graduais. Entretanto, a cheia de maio de 2024 se revelou como um evento sem precedentes, com comportamento até então desconhecido, com grande elevação de níveis em um curto intervalo de tempo (2 dias). Conforme análises com o modelo matemático que está sendo utilizado pelo IPH/UFRGS para as previsões de níveis do Guaíba, durante a elevação e o pico do Guaíba, a declividade da linha d´água nesta região pode ter sido da ordem de 15 2/2 cm/km. Consequentemente, houve diferença de níveis entre esses locais no momento da instalação da nova régua (Figura 1).
Impacto nas previsões: Esta possível diferença na referência de níveis, possivelmente causada por essas razões hidrodinâmicas, a rigor não afeta o resultado das previsões emitidas pelo IPH/UFRGS. A cada rodada do modelo de previsão é adotada a referência oficial da SEMA/SGB/ANA atual fornecida, e, até então, todas as variações relativas de subida e descida do Guaíba foram bem representadas. Se eventual consistência dos dados pelos órgãos oficiais (SEMA/SGB/ANA) confirmar alguma diferença entre o referencial no local original do Cais Mauá C6 e o sensor novo oficialmente usado, a notícia seria ao final positiva. Isso significa que o patamar de 3,00 m adotado como referência de cota de inundação no ponto de medição original do Cais Mauá corresponde a um valor mais elevado no ponto da nova régua instalada e oficialmente usada.
Por fim, os referenciais e observações de nível deverão ser avaliados, revisados e consistidos cuidadosamente pelas equipes responsáveis durante o pós-evento, bem como confirmação do nível máximo da cheia."
Nota emitida pelo governo do Estado
"Estação emergencial de monitoramento é referência para comportamento do Guaíba
A Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), com auxílio do Serviço Geológico Brasileiro (SGB), instalou, no início de maio, uma estação emergencial de monitoramento do nível do Lago Guaíba junto à Usina do Gasômetro, em Porto Alegre. A medida emergencial buscou garantir dados de referência sobre o comportamento do curso hídrico, diante da inoperância da histórica estação oficial localizada no Cais Mauá, nas proximidades da estação rodoviária.
Em 3 de maio, uma régua própria para esse tipo de medição foi posicionada onde o acesso era possível em meio à cheia, por profissionais do Departamento de Recursos Hídricos e Saneamento (DRHS) do Estado e por técnicos do SGB.
O DRHS explica que a utilização de réguas manuais está prevista em casos emergenciais ou em pontos onde não há telemetria. Entretanto, o departamento alerta que o uso de recursos caseiros (trena, fita métrica etc.) para medir níveis de rios, sem um estudo técnico ou sem a atuação de um profissional capacitado, não é uma prática aceita como parâmetro para qualquer tipo de aferição.
Para fins de transparência, a metodologia adotada pelo corpo técnico está descrita e apresentada juntamente com os dados disponibilizados. O monitoramento emergencial tem sido acompanhado por profissionais da Sala de Situação do Estado e por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que emitem previsões a partir de modelos matemáticos.
Na quinta-feira (23/5), pesquisadores da universidade emitiram uma nota afirmando que uma possível diferença na referência de níveis não afeta o resultado das previsões emitidas pelo IPH/UFRGS e acrescentaram que, a cada rodada do modelo de previsão, é adotada a referência oficial atual da Sema, do SGB e da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Segundo os pesquisadores, todas as variações relativas de subida e descida do Guaíba foram bem representadas.
Ainda que haja necessidade de ajustes futuros, o que é comum em hidrologia, inclusive com respaldo da literatura da área, as medições emergenciais na Usina do Gasômetro não impediram a adequada atuação das estruturas de resposta e disparo de alertas à sociedade, uma vez que a cota de inundação, fixada em 3 metros na estação histórica do Cais Mauá, já havia sido superada antes mesmo da instalação do ponto emergencial de monitoramento.
Para fins de registro histórico, a cota máxima do nível do Guaíba deverá ser avaliada detalhadamente quando houver condições técnicas para isso."
Boletim do IPH desta segunda-feira (27)
Previsões atualizadas de níveis d´água no Guaíba (segunda-feira 27/05/24 12h).
RESUMO: Os cenários de previsão indicam recessão da cheia, com níveis ainda elevados, mas em declínio lento nos próximos dias em resultado dos volumes afluentes dos rios pelas chuvas da semana passada. O nível do Guaíba deve manter-se em redução após atingida a marca abaixo dos 4 m. Oscilações poderão ocorrer em função da entrada dos ventos, elevando os níveis do Guaíba temporariamente durante o processo de descida.
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Níveis recentes:
O Guaíba apresenta níveis elevados em torno de 3,95 m (10:00). O pico registrado até o momento ocorreu no dia 05/05 em torno de 5,35 m. Apresentou na semana passada redução lenta com episódios de represamento da ordem de 10 cm pelo vento sul, estabilização após a quarta-feira (22/05) com pequenas variações devido à ventos e a chuva forte na RMPA. Na sexta-feira (24/05) apresentou subida expressiva de mais de 40 cm até 4,32 m por efeito do vento sul forte, mantendo-se represado no final de semana e reduzindo 15 cm nas últimas 24 h pelo fim do vento sul.
A principal preocupação do momento é como será a descida, duração e variação em níveis elevados devido ao efeito dos ventos e em resposta à precipitação ocorrida na bacia na semana passada e ocorrendo entre segunda e terça-feira.
Observações hidrológicas e previsão meteorológica:
Após o repique da semana retrasada, os rios afluentes ao Guaíba apresentavam redução dos níveis, sendo os baixos Taquari e Cai já em recessão em níveis moderados a baixos, e Sinos e Jacuí elevados a moderados com redução lenta. Não houve precipitação significativa no dia anterior. Mas durante a semana passada houve elevado acumulado de precipitação em grande parte do RS (mais de 100 mm em muitos casos e menor na região norte), e principalmente na quinta-feira na bacia do Guaíba. Esta chuva causou nova elevação significativa em todos os rios afluentes e ainda em andamento nos rios Jacuí e Sinos e em redução no Taquari e Caí. Previsão de até 50 mm de chuva em partes da bacia do Guaíba e leste do RS, ocorrendo entre hoje e amanhã, incluindo a RMPA. Pode ocorrer nova chuva no próximo final de semana causando acumulados de mais de 80 mm em partes da bacia nos próximos 10 dias. Vento nordeste forte hoje sobre o Guaíba e Laguna dos Patos, e moderado a fraco com mudanças de direção ao longo da semana.
Previsão de níveis:
Considerando todas as incertezas envolvidas e com base em análise das observações até momento, foram desenvolvidos novos cenários de previsão.
Os cenários de previsão indicam recessão da cheia, com níveis ainda elevados, mas em declínio lento nos próximos dias em resultado dos volumes afluentes dos rios pelas chuvas da semana passada. O nível do Guaíba deve manter-se em redução após atingida a marca abaixo dos 4 m. Oscilações poderão ocorrer em função da entrada dos ventos, elevando os níveis do Guaíba temporariamente durante o processo de descida.
Recomendações:
Recomenda-se atenção a possibilidade de retorno das águas em regiões recentemente drenadas; a atenção a possíveis alagamentos devido à chuva local; atenção especial a população afetada; e ações imediatas para manutenção das infraestruturas e serviços essenciais como o saneamento básico.
*Fonte: Estas previsões são desenvolvidas voluntariamente pelo Instituto de Pesquisa Hidráulicas (IPH) da UFRGS, em colaboração com a RHAMA Analysis, com base na combinação de observações de chuva e vazão dos rios, modelo de previsão meteorológica, hidrológica e hidrodinâmica. Estas previsões foram elaboradas sob a liderança dos Professores Fernando Fan e Rodrigo Paiva e pelo Eng. Matheus Sampaio (mestrando no IPH/UFRGS e engenheiro da Rhama Analysis). 27/05/2024, 12h.