Na tentativa de garantir a preservação das espécies de corais no litoral brasileiro, um projeto pioneiro conseguiu pela primeira vez no Brasil gerar in vitro um coral a partir do processo de criogenia, que envolve congelamento dos espermatozoides, seguido de inseminação artificial. O primeiro banco de sêmen de corais do Oceano Atlântico Sul foi desenvolvido por pesquisadores em laboratório.
Coordenada pelo zootecnista Leandro Godoy, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a pesquisa gerou indivíduos da espécie coral-couve-flor (Mussismilia harttii), encontrada apenas no litoral brasileiro. Durante a primeira fase do estudo, em 2019, os cientistas e técnicos do Instituto Coral Vivo foram a campo, no Parque Marinho do Recife de Fora, na Bahia, para coletar colônias de coral e começar a investigar detalhes da fisiologia dos espermatozoides e óvulos expelidos pela espécie.
Conforme Godoy, após a coleta, o sêmen dos corais ficou congelado a uma temperatura de -196ºC por dois anos e meio, em um laboratório da UFRGS. Após permanecerem estocados em um botijão de nitrogênio líquido, cerca de 84% dos espermatozoides estavam viáveis. De acordo com Godoy, o sêmen descongelado, em todas as concentrações testadas, promoveu uma taxa de fertilização in vitro de 100%.
Atualmente, o banco de sêmen conta com 2,4 bilhões de espermatozoides, número suficiente para repovoar um recife de dimensão equivalente a mais de 600 campos de futebol. Esse material pode permanecer congelado por até 50 anos.
—A motivação para começar a trabalhar com corais foram as altas taxas de mortalidade observadas no ambiente — afirma, destacando a crise climática e o aumento da temperatura dos oceanos como responsáveis pela mortalidade em massa de recifes de coral em todo mundo.
Os recifes de corais são conhecidos como "florestas tropicais do oceano" por conta de sua beleza multicolorida e de importância vital para o meio ambiente. Segundo Godoy, quando os recifes desaparecem ou morrem, muitas espécies também sucumbem. Eles são usados como abrigo por diversas espécies de peixes, que se escondem de predadores e conseguem se alimentar e se reproduzir dentro das estruturas dos recifes.
— Pesquisas mais recentes estimam que o planeta perde metade dos recifes de corais com aumento da temperatura dos oceanos — completa.
Ele ressalta que o Rio Grande do Sul não tem recifes de corais.
— Na costa brasileira, existem recifes de corais nos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Alagoas, mas quase tudo está localizado no nordeste da Bahia — compara.
Aquecimento é tóxico para os corais
O especialista afirma que o aumento da temperatura do oceano provoca fotossínteses descontroladas dos corais, produzindo substâncias tóxicas. E isso provoca um fenômeno chamado de branqueamento. A água mais quente faz com que as algas produzam elementos tóxicos para os corais, que acabam expulsando as algas de seu próprio tecido, deixando-os sem alimentos e descoloridos. Com isso, as algas acabam morrendo.
Conforme Godoy, todo recife de coral existente no planeta representa menos de 1% da área dos oceanos. Mesmo assim, é o suficiente para garantir grande parte da pesca marinha, que depende destas estruturas.
— É pouco o que temos. Todas as pesquisas mostram que pelo menos 25% da vida marinha depende dos recifes de coral. É um berço da vida marinha. Ali muitas espécies nascem, crescem, se reproduzem ou vão para aquele local para se reproduzir. A gente fala que acontece uma explosão de vida no recife de coral — explica.
A presença de corais também garante outros benefícios para o ecossistema, uma vez que ajuda a reduzir em até 90% a força de uma onda.
— Sem recife de coral, muitas áreas costeiras poderiam sofrer as consequências do avanço do mar. Ou as prefeituras teriam gastos para construir proteção. O recife de coral está protegendo de graça — compara.
O projeto foi apoiado pela Rede de Pesquisas do Instituto Coral Vivo e financiado pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.