De volta aos holofotes por conta da Meta, o metaverso encontra duas barreiras para se consolidar e chegar a mais pessoas: um ecossistema ainda em desenvolvimento e a aparição de novas inteligências artificiais (IA), dizem especialistas ouvidos por GZH. A ideia não pode ser definida como um fracasso, mas é consenso que foi "deixada de lado" pelas gigantes da tecnologia neste momento, afirmam os estudiosos.
O cenário é observado com o próprio tratamento que a Meta dá ao assunto. Em outubro de 2021, a gigante norte-americana trocou de nome como uma sinalização de investimento na tecnologia, mas, no início de março de 2023, a empresa afirmou, em uma nota, que o “foco para este ano é em inteligência artificial, mensagens, criadores e monetização”. Não há sequer uma menção ao metaverso.
Outros fatores podem explicar o momento: falta de maturidade da tecnologia, custos altos para o usuário e cenário econômico instável. Desde 2021, empresas têm deixado de investir no metaverso ou demorado para desenvolver os próprios mundos virtuais, como é o caso da Disney e Microsoft. Outras, no entanto, como a Ralph Lauren, aproveitam para lucrar com a plataforma. No Rio Grande do Sul, empresas e universidades também têm investido na tecnologia.
Investidores estão também atentos à desvalorização das moedas utilizadas em metaversos populares, o que indica esfriamento momentâneo nesse mercado.
Questão de tempo para vingar
Eduardo Pellanda, professor da graduação e pós-graduação da Escola de Comunicação, Artes e Design da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), explica o que é metaverso:
— É um ambiente em terceira dimensão (3D) que simula o mundo real. São criados prédios, ruas, escolas, centro de eventos, shows, tudo em ambiente com bonecos (avatares) simulando pessoas que interagem umas com as outras.
A ideia não é nova e não foi criada pela Meta. Especialistas citam que há pelo menos duas décadas a tecnologia é trabalhada, com destaque em jogos como The Sims, Grand Theft Auto (GTA) e Minecraft, além do Second Life, considerado um dos primeiros metaversos.
A novidade no assunto nos últimos anos foi o posicionamento adotado pelo Facebook, que queria então liderar o desenvolvimento do ambiente virtual no mundo. Pellanda diz acreditar que a percepção de que o metaverso da gigante norte-americana fracassou é uma análise ainda prematura, e vai além de considerar como age a Meta no assunto.
— A evolução não é linear, há percalços no caminho. O metaverso é um conceito que vai acontecer. Porque Apple e Google, por exemplo, podem dar outros nomes para isso. Então acho que vai se materializar de alguma maneira, não sei se com a Meta — afirma.
Conforme Pellanda, outro cenário tem atrapalhado o investimento no metaverso: o momento de crise vivido pelas big techs dos Estados Unidos. As empresas têm registrado lucros menores ou prejuízos nos últimos balanços, além de terem feito demissões em massa. A Disney, que em 2022 havia anunciado investimentos no metaverso, demitiu a equipe responsável pela tecnologia, segundo informações do UOL.
A evolução não é linear, há percalços no caminho. O metaverso é um conceito que vai acontecer
EDUARDO PELLANDA
Professor da graduação e pós-graduação da Escola de Comunicação, Artes e Design da PUCRS
— É uma aposta muito grande (da Meta). Eles viram que não era tão fácil assim materializar a ideia. Pode ser que tenha uma pausa nesse desenvolvimento por uma conjuntura de vários fatores. Um deles é econômico, o outro está ligado a uma questão de viabilidade da tecnologia neste momento — diz.
O professor explica que, durante a pandemia, a tecnologia foi testada na PUC com a criação de um campus, onde ocorreu uma aula virtual. Essa integração com o Ensino Superior também tem sido testado em outras universidades gaúchas, como a Universidade Feevale e Universidade de Passo Fundo (UPF). No caso da PUC, o metaverso é utilizado apenas como objeto de estudo no momento.
Alto custo
A viabilidade do metaverso é discutida pelo professor do programa de pós-graduação em computação aplicada da Universidade do Vale do Sinos (Unisinos) Rafael Kunst. Ser um usuário da tecnologia requer investimento. A dona do Facebook tem óculos de realidade virtual; o mais barato, Meta Quest 2, custa a partir de US$ 349 (R$ 1,7 mil na cotação atual) e não está disponível no Brasil.
Segundo a empresa, com o dispositivo, “é possível conhecer e interagir com outras pessoas na VR (realidade virtual na sigla em inglês) por meio de jogos multijogador, experiências sociais únicas e até grupos de amigos em um show ao vivo ou um treino de academia com instrutor”. Outras características impedem a disseminação do metaverso:
— Tanto o acesso à internet, quanto a questão de dispositivos de realidade virtual são caríssimos ainda, e isso dificulta bastante o acesso. A própria placa de vídeo dos computadores, dependendo do nível de renderização exigida, pode levar a custos maiores — diz o professor da Unisinos.
A ideia é boa, mas o “timing” ainda não chegou para ela em termos de maturidade tecnológica
RAFAEL KUNST
Professor do programa de pós-graduação em computação aplicada da Unisinos
Outro fator que tem atrapalhado o projeto da Meta é o alcance do Horizon Worlds, uma plataforma de realidade virtual integrada de criação de jogos desenvolvido pela dona do Facebook.
Nela, os jogadores se movem e interagem em vários mundos nos quais ocorrem eventos, jogos e atividades sociais. Não é necessário ter um dos óculos da empresa para acessar o Horizon Worlds; o limitante é que, no momento, apenas usuários dos Estados Unidos e Europa podem utilizá-lo.
Outras gigantes da tecnologia também têm demorado para desenvolver os próprios projetos no metaverso. A Microsoft, por exemplo, anunciou no fim de março a disponibilização de avatares 3D para reuniões online no Teams. A iniciativa tímida faz parte do Mesh, o metaverso da empresa norte-americana, que tinha lançamento previsto para 2022, mas que ainda não está disponível.
— A questão está mais no estágio de maturidade da implementação e no acesso que as pessoas precisam das tecnologias para conseguirem tirar o melhor dessa ferramenta. A ideia é boa, mas o “timing” ainda não chegou para ela em termos de maturidade tecnológica — completa o professor da Unisinos.
“A tecnologia vive de onda”
David de Oliveira Lemes, coordenador do curso de Ciência da Computação da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap), diz que a expansão do metaverso esbarra em alguns pontos: privacidade e a segurança dos usuários, a viabilidade econômica e a acessibilidade para pessoas com recursos limitados. Mas, no longo prazo, ele se mostra otimista com a adoção em massa da tecnologia:
— É possível que as limitações e desafios atuais sejam resolvidos e o metaverso se torne uma parte significativa da vida online no futuro.
O especialista cita o Sandbox, um mundo virtual no qual é possível comprar terrenos e criar itens, para exemplificar o cenário atual. O ambiente chamou a atenção de empresas como Tesla e Adidas. O anúncio do investimento da Meta no metaverso impulsionou o Sandbox: a moeda utilizada na plataforma teve o preço multiplicado quase 10 vezes em um mês, em 2021. Após o topo, no entanto, o ativo digital caiu mais de 90%, segundo o site CoinMarketCap.
Outro exemplo é a queda do preço da moeda MANA, do Decentraland, um mundo em 3D governado por uma organização autônoma descentralizada, que permite a exploração e desenvolvimento como no Minecraft e a interação entre os participantes como no Second Life.
Não é apenas o metaverso da Meta que não emplacou, mas todos os outros também
DAVID DE OLIVEIRA LEMES
Coordenador do curso de Ciência da Computação da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap)
A moeda utilizada nesse metaverso teve valorização de 900% nas semanas seguintes ao anúncio da Meta. No entanto, desde então, a desvalorização também ultrapassa 90%, em situação similar ao Sandbox.
Nos dois casos citados pelo especialista, a queda no preço das moedas foi acompanhada da redução no volume de negócios, o que mostra desinteresse dos investidores e usuários.
— É um cenário em declínio. A tecnologia é promissora, mas dá para perceber que o hype (moda) agora é a inteligência artificial, como o ChatGPT. Isso ofuscou totalmente o metaverso. Não é apenas o metaverso da Meta que não emplacou, mas todos os outros também. Como a tecnologia vive de ondas, estamos agora na onda da inteligência artificial generativa (que gera texto, imagens ou outras mídias em resposta a solicitações do usuário) — diz Lemes.
União metaverso e IA
No caso da startup Meta4Chain, os últimos meses foram de adaptações à tecnologia. A empresa foi criada para potencializar negócios no metaverso. Segundo Leandro Nascimento, CEO da Meta4Chain, empresas de diversos setores no Estado têm buscado formas para estar presentes no ambiente virtual: ele cita a cooperativa Cotrijal (agronegócio) e a DBL Consultoria (gestão em saúde e seguros). No último ano, a exemplo das grandes do setor, a startup também focou em desenvolver uma inteligência artificial - que foi batizada de “Caio”.
— Não podemos deixar de ouvir o mercado, que é soberano. O Caio é um avatar humanoide, programado por inteligência artificial, que tem a capacidade de reconhecer a fala humana. Então, eu humanizo o atendimento, que é 24x7 (disponível em qualquer hora e dia). Nós inserimos a inteligência artificial humanizada através do avatar, que “sai” do metaverso para ser colocado nas mãos dos clientes, dos seus usuários — resume Nascimento.
O empresário também diz acreditar na popularização da tecnologia em todo o mundo, mas reconhece que questões técnicas e necessidade de investimento do usuário atrapalham o mercado do metaverso:
— Com o passar dos anos, os hardwares ficam mais baratos, mais acessíveis (financeiramente) à maioria da população. O metaverso vai acontecer um pouco mais lento em economias mais sensíveis à volatilidade do mercado internacional, como é o caso do Brasil. Então, tenho uma visão (de crescimento) do metaverso no médio e longo prazo, tanto para o computador quanto para o celular.