A Suprema Corte dos Estados Unidos analisa desde terça-feira (21) se as empresas donas de redes sociais, como Google e Meta, deverão responder legalmente pelos conteúdos criminosos que os usuários divulgam nessas plataformas. Para essa decisão, foram convocados nove juízes.
Um dos debates levantados pelos magistrados diz respeito à chamada seção 230, baseada em um lei criada em 1996, que concede imunidade às empresas, ou seja, as isenta da responsabilidade do conteúdo que os usuários dessas redes sociais publicam.
Para entender a complexidade do assunto, é necessário saber o que é de fato a seção 230, o que motivou esse debate na esfera jurídica e quais as próximas etapas na agenda dos magistrados. Confira essas informações a seguir:
O que é a seção 230?
A disposição legal conhecida como seção 230 foi adotada quando a internet estava em seus primórdios e acabou se tornando um de seus pilares. Ela foi aprovada em 1996, nos Estados Unidos, e faz parte da chamada Lei de Decência nas Comunicações (Communications Decency Act, em inglês).
Essa seção garante que os provedores de serviços de internet desfrutem de imunidade legal pelo conteúdo que publicam porque, de acordo com ela, eles não podem ser considerados como "porta-vozes" ou "editores" do que é publicado por terceiros.
A seção 230 também confere proteção legal para as plataformas conseguirem moderar determinadas publicações, como as que contêm conteúdos pornográfico ou que desrespeitem quaisquer leis federais. No entanto, esse controle não é absoluto, porque a constituição americana defende a liberdade de expressão e considera que algumas moderações violariam esse direito dos usuários.
Com o crescimento de publicações contendo discursos de ódios e desinformação, essa disposição legal tem sido criticada por algumas pessoas, o que tem motivado o debate nas mais diferentes esferas da sociedade.
O que motivou o debate da seção 230?
O debate jurídico sobre a seção 230 foi motivado, sobretudo, pelo caso ligado aos ataques de novembro de 2015 em Paris e decorre de uma denúncia contra a Google, apresentada por parentes de Nohemi González, uma das 130 vítimas desses ataques.
González, que estudava na França, foi assassinada na cafeteria Belle Equipe por uma pessoa ligada ao grupo Estado Islâmico (EI). Os pais da jovem acusam o YouTube, que pertence ao Google, de ter recomendado vídeos do grupo jihadista a alguns de seus usuários, o que poderia ter motivado a execução do crime.
Segundo os pais da vítima, "ao recomendar vídeos do EI para seus usuários, o Google ajudou o EI a espalhar sua mensagem e, assim, forneceu suporte material".
Apesar de, na época, os pais de González tentarem processar a empresa, os tribunais federais rejeitaram a denúncia por causa da seção 230, que garantia proteção ao YouTube.
Quais casos serão analisados pela Suprema Corte dos EUA?
Os magistrados dos Estados Unidos estão analisando dois processos movidos contra empresas responsáveis por redes sociais. Além do processo da jovem Nohemi González, será analisado é o caso "Twitter x Taamneh", que foi aberto por parentes de Nawras Alassaf, jordaniano que assassinado durante um massacre ocorrido em uma boate em Istambul, na Turquia, em 1º de janeiro de 2017.
Conforme informações da Agência Reuters, os pais da vítima acusam o Twitter de ajudar a disseminar conteúdos que enaltecem o grupo Estado Islâmico, que assumiu a autoria do crime na época. Além disso, eles alegam que a empresa se torna conivente com isso ao não moderar o conteúdo publicado pelos usuários na plataforma.
Um tribunal de apelações que pegou o caso desconsiderou o fato de a seção 230 poder garantir proteção à empresa e encaminhou o processo para a Suprema Corte.
A previsão é de que tribunal emita uma sentença para ambos os casos antes de 30 de junho.
O que dizem as empresas processadas?
Com relação ao caso de Nohemi, a empresa acusada se manifestou. "As recomendações fornecidas pelos algoritmos são o que torna possível encontrar agulhas no maior palheiro da humanidade", escreveu a Google ao tribunal, pedindo que "não prejudique uma parte central da internet moderna".
Os familiares de Nohemi González acreditam, ao contrário, que o Google não se limitou a distribuir conteúdos do EI, mas que seu serviço selecionou usuários para oferecer-lhes os vídeos do grupo jihadista. Portanto, não poderia reivindicar essa imunidade.
Ao aceitar esse recurso, quando geralmente nega provimento à grande maioria dos casos que lhe são apresentados, o tribunal superior insinua que estaria disposto a mudar a jurisprudência. É essa perspectiva que assusta os grandes grupos de tecnologia.
Com relação ao processo aberto por parentes de Nawras Alassaf, a Meta também se manifestou sobre as acusações. "Permitir que as plataformas sejam processadas por seus algoritmos as exporia à responsabilidade por conteúdo de terceiros praticamente o tempo todo", alegou o grupo Meta, responsável por Facebook, Instagram e WhatsApp.
Ainda segundo representantes da Meta, as recomendações servem apenas para organizar o conteúdo publicado online, mas não constituem trabalho de edição.