Os vencedores do Prêmio Nobel de Física de 2022 passaram décadas estudando um fenômeno da teoria da mecânica quântica, o "entrelaçamento quântico", que o gênio Albert Einstein questionou e descreveu como "aterrorizante". Ainda hoje, muitos graduados em física não conseguem entender o fenômeno, assegura Chris Phillips, físico do Imperial College de Londres.
"Entrelaçamento" ou "emaranhamento" é um mecanismo em que duas partículas quânticas estão perfeitamente correlacionadas, independentemente da distância entre elas.
Por exemplo, um fóton (partícula de luz) que passa por um vidro especial para dar origem a dois fótons. Essas duas partículas resultantes "não têm a mesma cor da inicial, mas estão entrelaçadas porque surgiram do mesmo fóton", explicou este cientista à AFP. Se você medir um desses fótons, o outro será instantaneamente afetado - não importa a distância entre eles.
Chris Phillips constatou esse fenômeno "extremamente estranho" em seu laboratório, onde trabalha com dois feixes de fótons emaranhados.
— Se eu colocar minha mão em um desses feixes, algo instantaneamente acontece no outro feixe do outro lado da sala: se move uma agulha que registra o fenômeno — explicou.
Essa ideia de instantaneidade deixava Einstein perplexo, que havia formulado sua famosa teoria da relatividade, segundo a qual nada, seja algo material ou imaterial, mesmo uma informação, pode viajar mais rápido que a velocidade da luz.
Variáveis ocultas
O fato de que algo possa acontecer simultaneamente, mesmo a grandes distâncias, invalida o chamado "princípio da localidade", segundo o qual algo que acontece em um lugar não deve afetar o que acontece em um lugar distante.
Em 1935, o pai da teoria da relatividade chegou a questionar esse novo "princípio da não-localidade", que suporia um "efeito aterrorizante à distância". Einstein acreditava que havia "variáveis ocultas" que poderiam explicar o fenômeno.
Em 1964, o físico norte-irlandês John Stewart Bell desenvolveu uma teoria para verificar se essas "variáveis ocultas" que tanto preocupavam Einstein existiam. Mas faltavam experiências de laboratório.
Foi isso que o físico francês Alain Aspect conseguiu duas décadas depois. Aspect provou que duas partículas luminosas "entrelaçadas" afetam uma à outra, instantaneamente, repetidamente.
"Totalmente louco"
"A mecânica quântica resiste a todos os ataques possíveis", explicou Aspect em entrevista publicada pela Fundação Nobel após a entrega do prêmio. Aspect se declarou, nesta entrevista, grato a Einstein, apesar de suas experiências terem contrariado o grande mestre.
— Gosto de dizer que Einstein teve o grande mérito de levantar a questão da "não-localidade" — disse.
Aspect confessou que depois de todos esses anos, ainda tem dificuldade em aceitar a "imagem mental" desse princípio "que é algo 'totalmente louco'". Seus colegas premiados, o austríaco Anton Zeilinger e o americano John Clauserm também testaram o teorema de Bell e chegaram à mesma conclusão: o fenômeno só pode ser explicado com esse princípio de "não-localidade".
Todas essas investigações abriram caminho para o que é chamado de "a segunda revolução quântica". As descobertas de Zeilinger, descrito como "papa da quântica", serviram para demonstrar o potencial do entrelaçamento para comunicações criptografadas ou teletransporte quântico.
As grandes empresas de tecnologia agora estão gastando enormes somas para criar computadores quânticos, que prometem poder de cálculo incomparável.
Enquanto isso, Chris Phillips desenvolveu um instrumento semelhante a uma cadeia de alta fidelidade que usa o entrelaçamento quântico para diagnosticar câncer de mama.
Mas o grande mistério permanece, cem anos depois de Einstein: por que esse fenômeno ocorre?
— Temos que ser humildes em relação à física — explica Chris Phillips — Apenas existe.
* AFP