Um estudo publicado na terça-feira (23) na revista científica Cell Reports revelou que sósias sem grau de parentesco compartilham, além da aparência, semelhanças genéticas entre si. Apesar dos pesquisadores já suspeitarem dessa hipótese, agora houve a comprovação científica sobre a questão.
A pesquisa contou com 32 pares de sósias que faziam parte de um grupo descoberto por meio da divulgação de um ensaio do fotógrafo François Brunelle, que reuniu indivíduos semelhantes entre si.
O estudo
Para o estudo, os voluntários foram submetidos a testes de DNA e também tiveram que responder a um questionário sobre seus respectivos estilos de vida. De acordo com os cientistas, algumas dessas pessoas moravam, inclusive, em outros continentes e não tinham grau de parentesco.
Para quantificar o grau de semelhança entre os rostos dos sósias, os pesquisadores utilizaram um software de reconhecimento facial. Como resultado, 16 dos 32 pares de voluntários atingiram valores que correspondem a uma situação parecida com gêmeos idênticos (monozigóticos), com base na pontuação medida pelo mesmo programa.
Em seguida, os cientistas fizeram uma análise genética dos 16 pares de voluntários que mais compartilhavam semelhanças. O processo consistiu em uma comparação do DNA de cada par considerado como sósia para verificar se havia semelhança no código genético assim como ocorria com as características físicas. O mesmo procedimento foi feito com a outra metade das pessoas que não compartilhavam tantos aspectos em comum.
Após a análise, a equipe descobriu que os pares de sósias considerados mais semelhantes fisicamente compartilhavam entre si mais genes do que outros que atingiram pontuações inferiores no software. Em entrevista ao The New York Times, Manel Esteller, um dos autores do estudo, explicou que as pessoas que são realmente parecidas têm maior quantidade de genes semelhantes.
Como a aparência de um indivíduo não é determinada exclusivamente pelo DNA, mas por outros fatores, como experiências pessoais vividas e a dos ancestrais, que podem determinar quais genes são ativados ou desativados, denominadas como epigenomas, os cientistas prosseguiram com a análise para verificar a semelhança desses elementos entre os pares.
A pesquisa também levou em consideração o microbioma, ou seja, a comunidade microscópica de bactérias, fungos e vírus que cada pessoa carrega e que é influenciada pela região que vive.
Um fator que chamou a atenção da equipe envolvida no estudo é que, embora os genomas dos sósias fossem semelhantes, seus epigenomas e microbiomas eram bastante diferentes entre si. Essa descoberta indica que as aparências entre os indivíduos têm maior relação com os genomas do que com os fatores ambientais (epigenoma e microbioma). "A genética os une, e a epigenética e o microbioma os separam", resumiu Esteller em nota.
Para os pesquisadores, como o caso dos sósias tem maior relação com os genes compartilhados do que com outros elementos, as semelhanças entre eles podem ser consideradas como "sorte" ou "eventos aleatórios" potencializados pelo crescimento populacional. De acordo com essa ideia, existe uma quantidade tão grande de pessoas no mundo (cerca de 7,9 bilhões, de acordo com o United States Census Bureau) que ocorre uma "repetição" de traços físicos que torna um indivíduo semelhante ao outro.
Aplicações da pesquisa
Manel Esteller e os demais cientistas acreditam que o estudo pode ajudar os médicos a diagnosticarem doenças de maneira mais rápida. Segundo a equipe, como os sósias têm genes semelhantes, eles podem também compartilhar entre si predileções por determinadas enfermidades. Com isso, a partir do diagnóstico de uma pessoa, será possível saber se o respectivo sósia (ou ainda sósias) apresentará o mesmo problema.
Outra aplicabilidade que o estudo pode ter, de acordo com os pesquisadores, é na descoberta dos rostos de suspeitos de crimes conhecidos mediante amostras de DNA. Como é possível que haja relação entre as características faciais e os padrões comportamentais de sósias, uma pessoa poderá ser acionada, mediante dados de um banco de algoritmos faciais, para a identificação de algum criminoso que seja semelhante fisicamente a ela
Apesar do potencial da pesquisa em contribuir com a ciência forense, alguns especialistas apontam que é preciso ter cuidado com o uso dos algoritmos faciais, uma vez que, no passado, esse recurso foi utilizado para reforçar estereótipos e preconceitos raciais. Em entrevista ao The New York Times, Daphne Martschenko, pesquisadora do Stanford Center for Biomedical Ethics (SCBE), nos Estados Unidos, que não participou do estudo, disse que é preciso ter muita cautela para utilizar essa tecnologia e que é necessário refletir sobre muitas questões éticas aplicadas à pesquisa.