Apesar de ser um tema complexo, o conceito de metaverso pode ser definido de forma simples. É um mundo virtual imersivo e compartilhado, que pretende replicar atividades como interagir, trabalhar, comprar, construir e passear por meio de dispositivos digitais. Diretor de transformação digital do Grupo 4all, Gustavo Schifino explica que esse novo universo é um ambiente virtual onde podemos eliminar as dificuldades do mundo físico e potencializar as experiências do mundo digital.
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Metaverso: saiba o que é, como funciona e quem já está lá
Mas, se por um lado o metaverso já faz parte da rotina de crianças e adolescentes que têm acesso a jogos digitais como Fortnite, Minecraft e Roblox, por outro ainda gera uma série de dúvidas sobre qual será o seu impacto em diferentes setores. Ele mudará o futuro dos negócios? Terá reflexo no ensino? E como ficam as relações de trabalho e de consumo?
Para estudiosos do tema, algumas áreas serão atingidas antes do que outras, como as vendas de grandes empresas e os setores de games, cultura e entretenimento. No entanto, como qualquer evolução tecnológica, pode levar décadas para que todos estejam familiarizados com o assunto e a utilização desse universo virtual seja massiva. Isso porque ele vem sendo incluído, primeiramente, na rotina de um nicho pequeno de pessoas: em geral, mais jovens e com maior poder aquisitivo.
— Ainda há muito para desenvolver e temos que estar preparados em todas as áreas, mas ver isso como algo negativo é errado. Sou um dos otimistas, acho que está muito no início, mas é uma onda grande em que todos estaremos imersos em não muito tempo — aposta o diretor de transformação digital.
Comércio e consumo
Na visão de Schifino, o metaverso será como uma evolução do e-commerce e essa é a primeira grande mudança que já está acontecendo. Ele comenta que a geração Alfa já considera entediante comprar pelos e-commerces tradicionais, dando preferência às redes sociais e a esse novo ambiente virtual. Por isso, considera o movimento uma verdadeira explosão e sinaliza que, em 2021, foram investidos cerca de US$ 500 bilhões somente em itens virtuais no metaverso. Para 2024, a expectativa é de que suba para US$ 800 bilhões:
— Hoje, o que está em larga escala são os itens virtuais e é algo crescente. A Gucci tem peças virtuais mais caras do que as físicas, por exemplo. Tem vários itens que só existem virtualmente e, portanto, acabam ganhando muito valor.
O diretor de transformação digital afirma que as pessoas têm certa dificuldade para entender como se pode gastar tanto em algo que não é real, porque não estão acostumadas a mensurar o valor dos itens virtuais, já que não podem tocá-los. No entanto, considera que o desejo de adquirir peças exclusivas esteja relacionado ao lado sentimental, assim como alguns indivíduos se mostram dispostos a pagar mais caro por objetos físicos quando são originais.
— Quando você paga por uma peça única no mundo virtual, as pessoas que veem seu avatar desfilando com aquela bolsa, por exemplo, vão saber que é exclusiva e original porque, muitas vezes, tem um certificado de autenticidade (NFT) — esclarece Schifino.
Traduzida como "token não fungível", a NFT é como um certificado digital, que representa a exclusividade e originalidade de um item. Feita a partir da tecnologia blockchain, que serve de base para algumas criptomoedas, ela pode ser atrelada a fotos, músicas, vídeos ou postagens. Se a pessoa criar um quadro no metaverso, por exemplo, e registrá-lo com uma NFT, estará atestada que aquele é o item original e, sempre que alguém usá-lo, o criador poderá ganhar dinheiro por isso.
— As pessoas ficam um pouco assustadas e incrédulas quando se fala em NFTs ou criptomoedas, porque consideram coisas abstratas, mas o dinheiro que temos no banco, que transferimos por pix, também é, não tem dinheiro físico na mão. Se o PIX deu certo, não existe motivo para criptomoedas e NFTs não darem — exemplifica Ticiano Paluco, professor da Escola de Comunicação, Artes e Design (Famecos) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
O professor complementa que o impulso pelo consumo no metaverso também está associado ao fato de que lá as pessoas podem realizar suas vontades de forma mais simples e barata. Como exemplo, ele cita o sonho de ter um tênis Nike, que no mundo real custa R$ 600, mas no virtual pode ser US$ 5. Além disso, de acordo com Paludo, já há investimentos inclusive em casas e terrenos neste novo universo.
E como ficam os pequenos negócios?
Para Fabiano Zortéa, coordenador de varejo do Sebrae-RS, desde que Mark Zuckerberg anunciou a mudança em sua empresa, houve no mercado uma preocupação um tanto excessiva, especialmente entre os negócios brasileiros de pequeno porte. Isso porque o movimento chamou a atenção das grandes marcas, que se posicionaram como tais já investindo no metaverso. Por isso, Zortéa acredita que, neste primeiro momento, apenas as mudanças nos setores de entretenimento, mídia e educação poderiam gerar algum tipo de impacto na realidade dos consumidores.
O coordenador de varejo relata que ouviu em uma das palestras sobre o tema na feira NRF, em Nova York, em janeiro, a afirmação de que o metaverso demoraria décadas para chegar ao consumo de massa e concorda com isso. Ele pontua que os empresários também precisam considerar o cenário em que parte significativa dos brasileiros se encontra atualmente:
— Se estamos em um país onde uma em cada quatro pessoas não sabe se vai conseguir comer no dia, é provável que produtos para o avatar usar no metaverso não sejam prioridade de compra neste país. Então, talvez em uma primeira curva, vá impactar as gerações mais novas, que são nativos digitais e têm uma condição de vida mais privilegiada, o que também faz distanciar o impacto do metaverso nos pequenos negócios.
Portanto, neste momento, o pequeno empreendedor pode olhar as possibilidades, acompanhar o que está acontecendo e compreender esse movimento de consumo e as barreiras que existem, como a tecnológica. Também é preciso entender que este universo não representa uma ameaça nem vai tirar as vendas do setor, tranquiliza Zortéa, enfatizando que só será possível perceber os reais impactos para o consumo de produtos e serviços com o tempo, conforme os consumidores forem se relacionando com as novas tecnologias.
— Talvez a gente tenha, no futuro, ambientes acessíveis para os pequenos negócios comercializarem seus produtos no metaverso com uma experiência mais interessante do que é hoje o e-commerce. Mas vamos precisar de uma estrada muito longa para que isso seja experimentado e compreendido como algo importante para os consumidores — opina.
Ele destaca que, agora, o setor tem outras demandas mais imediatas para atender, como o desejo da geração Z por uma experiência de compra digital mais imersiva e o desafio de integrar a loja física com a virtual. Ou seja, antes de ter uma preocupação excessiva com uma nova tendência, recomenda acabar com as pendências digitais, consolidando, por exemplo, um atendimento qualificado, humanizado e personalizado pelo WhatsApp.
Reflexos no ensino e nas relações de trabalho
O ambiente estudantil também será muito impactado pelo metaverso, conforme Gustavo Schifino, diretor de transformação digital do Grupo 4all. Para exemplificar, ele cita uma aula de História em que os alunos podem visitar a época em que determinado movimento ocorreu, uma aula de Biologia em que se pode "entrar" dentro do corpo humano ou uma aula de Astronomia em que os estudantes analisam de perto os planetas.
Em relação aos sistemas de tradução simultânea, Schifino afirma que funcionam muito bem no digital, possibilitando que se fale com pessoas de quaisquer lugares do mundo, mas ressalta que isso não significa que não será mais necessário aprender outras línguas, porque ainda haverá contato pessoalmente:
— A tradução simultânea só não te limita no metaverso, mas ele não substituirá ou acabará com os ambientes físicos, que ainda serão relevantes. Porque quanto mais digital ficamos, mais humanos precisamos ser.
O professor Ticiano Paludo concorda e argumenta que é preciso aprender trabalhar as coisas em conjunto, sem deixar com que o virtual inviabilize o contato humano. Na visão dele, a tradução simultânea ainda não é perfeita e tem um atraso que deixa a comunicação chata.
Além da potencialização do ensino, o docente da PUCRS acredita que determinadas profissões irão se desenvolver neste novo universo virtual, como o design de interiores e de moda, a música, a arquitetura, o comércio de vestuários, a arte digital e a programação. Neste sentido, também aponta uma mudança nas relações de trabalho:
— Como no virtual não existe hora, as empresas terão que treinar funcionários para atender 24 horas por dia.
Próximos passos
Os especialistas concordam que o metaverso ainda se trata de algo experimental, ou seja, serão alguns anos de tentativas até que realmente funcione em seu conceito mais amplo. Para Ticiano Paludo, por enquanto, as pessoas precisam ser educadas sobre as potencialidades do tema para entender o que está acontecendo e o que pode acontecer. Gustavo Schifino acredita que pode levar uma década todos saibam o que é e estejam confortáveis com este novo universo.
Entretanto, a falta de interoperabilidade entre as plataformas ainda é um problema que precisa ser corrigido, já que, na forma atual, ao fazer um avatar dentro de um jogo, o usuário não consegue levá-lo para outra.
— Ainda não existe uma ponte que ligue tudo, mas vai existir. Será um crescimento natural, aos poucos vai se desenvolvendo e tendo uma interoperabilidade maior. Acho que é algo crescente e permanente que está entrando nas nossas vidas. Todos precisam se preparar, independentemente do setor — finaliza o diretor de transformação digital.