À luz do pioneirismo da Austrália em regular as relações das big techs com os veículos de comunicação, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) reforçou argumentações em um inquérito que tramita, a pedido da entidade, no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para apurar supostas práticas monopolistas do Google.
O Parlamento da Austrália aprovou, em fevereiro deste ano, legislação que obriga gigantes digitais, como Google e Facebook, a pagar aos veículos de comunicação pela produção das notícias que circulam nos seus ambientes virtuais. Uma comissão arbitral indicada pelo governo definirá os valores a serem quitados caso não haja acordo direto entre as big techs e meios de comunicação tradicionais.
O Facebook chegou a anunciar o bloqueio de conteúdos noticiosos na Austrália na sua plataforma após a aprovação da legislação, mas, depois da repercussão negativa, suspendeu a reação e retornou à mesa de negociações.
A ANJ levou ao inquérito no Cade as informações sobre o pioneirismo australiano e requisitou apuração sobre possíveis cláusulas abusivas praticadas pelo Google em acordos individuais fechados com veículos de comunicação para a remuneração de produtos noticiosos específicos produzidos por terceiros.
— É um poder unilateral exercido pelo Google, impondo condições. Outro item reforçado é a necessidade de o Google remunerar a atividade jornalística, como está ocorrendo na Austrália, que deu um sinal internacional de que a atividade jornalística deve ser recompensada pelas grandes plataformas de tecnologia. Um ecossistema de comunicação saudável é fundamental para a democracia e a vida comunitária — avalia Marcelo Rech, presidente da ANJ.
Ele destaca que a remuneração pretendida, como a aprovada na Austrália, alcançaria veículos de comunicação de diferentes portes, desde os locais até os nacionais. A justificativa da ANJ é de que esse pagamento é necessário para fortalecer o jornalismo profissional, responsável por combater “efeitos colaterais” da atuação das big techs.
— As plataformas de tecnologia formam uma indústria que, no seu processo, expele poluição social materializada em fake news, desinformação, discurso de incitação ao ódio e à violência. Esse não é o negócio central das plataformas, mas elas produzem esse efeito colateral. Quem tem habilidade e capacidade para fazer a limpeza desse ecossistema poluído é o jornalismo profissional, com apuração, checagem, estabelecendo o que é verdade e o que não é. Isso tem importância absurda para a sociedade e para a democracia — diz Rech.
Para ele, a alternativa ao modelo australiano, de remuneração dos veículos de comunicação, seria a “censura” de conteúdos falsos, distorcidos e ofensivos das plataformas.
— A opção seria censurar todos os conteúdos mentirosos ou que estimulem violência e agressão, mas não nos interessa censura em redes sociais. Para que não haja censura, o ideal é fortalecer o ecossistema jornalístico, que faz a limpeza com valores, princípios, ética e técnica. O enfraquecimento do jornalismo profissional, causado pelo monopólio digital, vai gerar livre e desimpedido território para a difusão da desinformação — avalia Rech, sinalizando que uma regulamentação semelhante à da Austrália, embora levada à discussão no Cade, precisaria passar pelo crivo e pela aprovação do Congresso Nacional.
Além do país da Oceania, as federações da União Europeia estão em processo de implementação de um método semelhante de remuneração aos veículos de comunicação. O Reino Unido também discute a matéria.
No Cade, o inquérito administrativo tramita desde julho de 2019 e versa inicialmente sobre a prática do Google de apresentar aos usuários do seu serviço de busca um resumo da notícia junto aos links.
— O Google usa o conteúdo dos veículos de comunicação para dar resumos ou perguntas e respostas. Ele tenta reter as pessoas na sua página, no seu ambiente, sem precisar clicar nos links. Isso é uma prática monopolista — analisa o presidente da ANJ.
Contraponto
O Google enviou a GZH uma nota sobre o caso. Confira a íntegra:
“Temos cooperado com o CADE para esclarecer dúvidas sobre o inquérito desde 2019. O Google apoia o futuro do jornalismo gerando tráfego, desenvolvendo ferramentas que ajudam a criar novos modelos de negócios e realizando treinamentos, bem como por meio de fundos e parcerias sólidas com toda a indústria de notícias. Cada empresa jornalística pode decidir se e como seu conteúdo deve aparecer na Busca e no Google Notícias. A cada mês, pessoas no mundo inteiro encontram e acessam sites de jornalismo mais de 24 bilhões de vezes por meio da Busca, gerando valor e ajudando os editores a aumentarem seu número de leitores e a obter receita por meio de anúncios, assinaturas ou contribuições.
Também anunciamos o nosso investimento de US$ 1 bilhão em pagamentos diretos a veículos de notícias por meio do Google News Showcase (“Destaques”), um novo produto lançado no ano passado em vários países, incluindo o Brasil. Desde outubro, mais de 35 jornais, revistas e emissoras brasileiras concordaram em licenciar seu conteúdo jornalístico de qualidade e compartilhá-lo por meio dessa nova experiência. Em relação à Austrália, a remuneração dos veículos de notícia por meio do Destaques foi o caminho construtivo que encontramos para apoiar o jornalismo, sem a necessidade de pagamento por links.”