Um trabalho realizado por uma equipe de paleontólogos desbravou uma parte da anatomia de um dos dinossauros mais antigos do mundo, que até então era desconhecida. O estudo foi publicado na segunda-feira (2) no periódico europeu Journal of Anatomy e apresentou a reconstrução completa do cérebro de um pequeno dinossauro chamado de Buriolestes schultzi.
O estudo foi desenvolvido pelos paleontólogos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Rodrigo Temp Müller, José Ferreira, Flávio Pretto e Leonardo Kerber, além do paleontólogo da Universidade de São Paulo (USP) Mario Bronzati.
Conforme Müller, o esqueleto fossilizado quase completo foi descoberto no município de São João do Polêsine, na região central do Rio Grande do Sul. Esse esqueleto com cerca de 233 milhões de anos pertencente ao Buriolestes schultzi e apresenta um neurocrânio bem preservado. A partir dessa estrutura, os pesquisadores puderam reconstruir o cérebro de forma completa.
Conforme Müller, por se tratar do primeiro cérebro completo, o estudo servirá como modelo para futuros estudos anatômicos e propostas evolutivas.
— A gente não tinha outro cérebro tão completo para essa idade, que é a idade em que os dinossauros estão surgindo. Então, tudo que estamos apresentando é novidade. Basicamente, era uma parte da anatomia completamente desconhecida, algo que foi estudado pela primeira vez. A partir desse material, a gente passa a ter esse espécime para usar de comparação — explica.
Além da descoberta em relação à anatomia, segundo Müller, o estudo do cérebro de animais extintos ajuda a entender os seus hábitos comportamentais.
Visão aguçada, capacidade olfativa nem tanto
O cérebro do Buriolestes schultzi é relativamente pequeno, com cerca de 1,5 grama, ligeiramente mais leve do que uma ervilha. Além disso, a forma do cérebro apresenta um padrão bastante primitivo, lembrando o de um crocodilo. A presença de certas estruturas bem desenvolvidas na região chamada de cerebelo indica que o Buriolestes schultzi foi um caçador capaz de rastrear suas presas fazendo uso de uma visão aguçada. Por outro lado, a capacidade olfativa do dinossauro parece não ter sido muito desenvolvida.
Apesar de se tratar de um pequeno animal carnívoro, o Buriolestes schultzi pertence à linhagem que originou os dinossauros gigantes herbívoros de pescoço longo, chamados de saurópodes (diplodocus e brachiosaurus, por exemplo), os quais foram os maiores animais que já andaram sobre a Terra. O Buriolestes schultzi é considerado o membro mais primitivo dessa linhagem. Assim, comparando o cérebro dele com o dos saurópodes, é possível entender como a linhagem evoluiu.
Uma tendência evolutiva que chamou atenção foi o aumento dos bulbos olfativos. Enquanto essas estruturas responsáveis pela capacidade de sentir cheiros são pequenas no cérebro do Buriolestes schultzi, nos saurópodes elas são bastante desenvolvidas. O desenvolvimento de um olfato aguçado pode estar relacionado ao aumento na complexidade dos hábitos sociais dos saurópodes. Entretanto, a capacidade olfativa também pode ter ajudado esses animais a reconhecer plantas potencialmente tóxicas ou mesmo detectar a aproximação de predadores.
O estudo ainda apresentou a estimativa da "capacidade cognitiva" do Buriolestes schultzi. Por meio de cálculos que envolvem o volume cerebral e o peso corporal, é possível estimar o grau de "inteligência" de animais extintos, valor chamado de coeficiente de encefalização. O coeficiente de encefalização do Buriolestes schultzi revelou-se maior do que o dos dinossauros saurópodes, sugerindo um declínio na encefalização nesta linhagem. Este é um fato intrigante, uma vez que muitas linhagens de vertebrados tendem a aumentar a encefalização ao longo do tempo. Por outro lado, observou-se que o valor encontrado para o Buriolestes schultzi é menor do que o de dinossauros carnívoros encontrados em rochas menos antigas, como o tiranossauro e o velociraptor.