Uma novidade criada por alunos da Microeletrônica nos laboratórios da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), em Alegrete, poderá em breve ajudar médicos a entenderem melhor o ciclo do Parkison em pacientes e aprimorar o tratamento. De longe, é difícil relacionar a luva repleta de circuitos e sensores à medicina. O manuseio, entretanto, gera informações detalhadas sobre tremores, movimentos dos dedos, coordenação motora e atividade cognitiva.
– A tecnologia está sendo testada por fisioterapeutas e neurologistas, e em 2020 passará a ser vendida para clínicas – projeta Alessandro Girardi, coordenador do laboratório de microeletrônica e responsável pelo grupo de estudos que criou a luva.
A equipe de Girardi direciona os esforços comerciais para o setor da saúde, mas há outras aplicações possíveis. A primeira função do dispositivo, em 2016, foi a tradução da linguagem de Libras em texto nos monitores de celulares e computadores – uma inovação importante, já que muitos surdos não compreendem os sinais. Outras ações, como simulações em realidade virtual e até conexão com videogames, foram testadas e poderão abrir novos mercados para a inovação no futuro.
– Por enquanto, nossa preocupação é principalmente em aprimorar e testar a luva. Agora, vamos ver como o mercado reage – afirma Alessandro, que tem meta de vender 10 unidades no próximo ano e centenas em 2021.
O salto no desenvolvimento da tecnologia ocorreu em 2017, quando a luva foi levada para a incubadora do Parque Científico e Tecnológico do Pampa (Pampatec), administrado pela Unipampa. Lá, os pesquisadores receberam ajuda para patentear a novidade, aprimorar o contato com fornecedores e potenciais clientes e lidar com a burocracia para certificações.
– Não fosse pelo Pampatec, talvez a novidade ficasse restrita às páginas de livros acadêmicos – diz Girardi.
É um enredo que se repete em vários projetos tocados na Unipampa: alunos do mestrado de cursos como Engenharia Elétrica e de Software veem boas perspectivas para suas pesquisas e as levam ao parque. Lá, recebem o suporte para criar protótipos, estudar o mercado e cuidar da administração do novo negócio. Inaugurada em 2015, a incubadora tem hoje cinco startups instaladas.
– Nossa proposta é ser um centro de criação e teste de soluções tecnológicas que possam ser usadas em cidades do Interior – explica Émerson Rizzatti, coordenador do Pampatec.
Ele explica que a grade curricular da universidade também foi adaptada para despertar o espírito empreendedor nos alunos. Desde 2010, todos os cursos passaram a ter disciplinas de administração e empreendedorismo. Os alunos de Engenharia de Softwares passaram a contar com a cadeira de resolução de problemas, na qual são colocados em contato com prefeitura, ONGs e empresas para desenvolverem, gratuitamente, softwares ou aplicativos que solucionem alguma dificuldade.
Em 2018, por exemplo, três estudantes da Engenharia identificaram a necessidade de uma ONG que cuida de idosos encontrar profissionais de saúde com interesse em prestar atendimento. Criaram, então, um aplicativo que permitia que esses profissionais se cadastrassem e disponibilizassem seus horários livres à entidade.
– Isso leva os alunos a pensarem além dos limites das salas de aula, já atentos a oportunidades de negócios no futuro – diz Rizzatti.
Inteligência no campo
Outra adequação trazida pelo Pampatec foi a aproximação de pesquisadores com potenciais financiadores privados. Todos os meses, a administração do parque realiza eventos com associações comerciais e leva estudantes a feiras tecnológicas para rodadas de negócios. A ideia é que empresários conheçam as pesquisas e, caso enxerguem potencial, ajudem a financiá-las.
A fórmula deu certo para a Agrare, uma startup de tecnologia para o agronegócio instalada na incubadora. Seu primeiro serviço foi um aplicativo de classificados de negócios no campo – da venda de gado à de fazendas. A tecnologia chamou atenção de um produtor de soja do município no final de 2018. Ele desafiou a empresa a criar um software de gestão da propriedade que fosse simples e permitisse abastecimento de informações mesmo offline, função essencial para zonas rurais. Para isso, financiou o projeto em R$ 20 mil e literalmente abriu as porteiras da fazenda para testes.
– Precisávamos de um software para computar rapidamente os custos e o volume da colheita. Mas as ferramentas que tínhamos testado eram complexas demais, com muitas funções desnecessárias, o que elevava o preço. E ainda havia necessidade de estar conectado à internet para abastecer os dados – explica o técnico agrícola Leonardo Pacheco, supervisor das fazendas Formighieri, que encomendou o trabalho.
A Agrare, liderada por alunos de Engenharia de Software, se mobilizou para desenvolver a novidade. Ao longo dos meses seguintes, os estudantes visitaram propriedades rurais, ouviram fazendeiros e desenharam uma aplicação simplificada. A questão da internet foi resolvida com um sistema de sincronização inteligente. As informações ficam gravadas no celular ou no notebook do agricultor e são enviadas à nuvem automaticamente quando há sinal.
– Graças a essa parceria e à proximidade com a propriedade, conseguimos criar uma ferramenta muito prática, que em menos de um ano já é usada em 30 propriedades em cinco Estados – explica Alex Becker, diretor da Agrare.
Tecnologia para o futebol
A propagação da tecnologia alegretense para além da fronteira gaúcha não se restringe à empresa de Becker. Devido à ponte formada pelas ferramentas digitais, outros softwares e aplicativos se popularizam fora do Rio Grande do Sul. Um, em particular, tem feito sucesso ao aproximar o brasileiro de sua maior paixão: o futebol.
A startup DevPampa, também incubada no Pampatec, criou sua primeira ferramenta para o esporte em 2017, com objetivo de ajudar o torneio de futebol infantil Efipan, tradicional na cidade, a digitalizar seus documentos. A empresa entregou uma plataforma para registro online de equipes e atletas. A tecnologia também possibilitou aos torcedores acompanharem em tempo real resultados e tabelas de classificação.
– Essa entrega nos deu kwow-how para levarmos inteligência a outros eventos, como a Copa Santiago de Futebol Juvenil e a BGPrime, que organiza vários torneios de futebol – diz o engenheiro de softwares Peterson Rodrigues, um dos sócios da DevPampa.
O mergulho nos campos levou a empresa a criar um novo produto, desta vez focado no público que gosta de jogar bola entre amigos, o Agendei Quadras. Com o aplicativo, os usuários podem consultar horários vagos em quadras esportivas de sua cidade e fazer reservas; já os donos dos ginásios organizam melhor sua agenda. Em breve, será possível pagar a quadra pelo programa. Hoje, estão cadastrados 140 espaços esportivos em 15 Estados.
– Nossa próxima meta é fechar contrato com um grande site de varejo para interligar o agendamento de quadras com a oferta de artigos esportivos aos usuários – projeta o estudante de Engenharia de Softwares Adriel Rodrigues, também sócio da startup.
Ambiente de inovação
Parque Científico e Tecnológico do Pampa (Pampatec)
O que é
Iniciativa que ajuda estudantes da Unipampa a transformarem em produtos as ideias desenvolvidas em projetos de pesquisa.
Quantas pessoas participam do projeto
São 50 pessoas trabalhando em cinco startups, além do quadro administrativo.
Qual a importância
Gerar inovação tecnológica em uma região com pouca cultura de empreendedorismo e uma economia baseada no agronegócio.
Outras informações
https://sites.unipampa.edu.br/pampatec/