Consumidores cada vez mais reticentes em aceitar alimentos que recebem doses cavalares de agrotóxicos têm um horizonte de boas notícias. Startups estão conseguido avançar na pesquisa e no desenvolvimento de tecnologias de combate às pragas na lavoura de forma menos danosa ao alimento.
Uma onda de inovação ditada pela preocupação em comer melhor começa a gerar no Rio Grande do Sul suas primeiras foodtechs, como são chamadas as empresas que aprimoram agricultura, produção, fornecimento e distribuição dos alimentos até as mesas das pessoas.
— Graças à tecnologia, as pessoas já conseguem rastrear um tomate desde o plantio até o supermercado. Sabem se recebeu agrotóxico, se a empresa que transportou é idônea. Isso tende a tornar o consumidor ainda mais exigente com a qualidade do alimento — diz Mark Udler, diretor do Habitat Floema, espaço para desenvolvimento de foodtechs inaugurado no final de novembro em Viamão.
Algumas dessas tecnologias já são vistas em Porto Alegre e na Região Metropolitana. A engenheira agrônoma Camila Vargas aproveitou seu mestrado em fitotecnia (estudo das plantas) e criou uma startup de monitoramento e controle de pragas na UFRGS. A empresa desenvolve “armadilhas inteligentes”, em que os insetos são capturados e o agricultor recebe em seu celular alertas de infestação, descrição do tipo de praga, quantidade presente na plantação e até fotos das espécies.
– Isso permite que o agricultor aja com mais rapidez para enfrentar a ameaça, possivelmente reduzindo a necessidade de agrotóxicos – afirma Camila.
Outra inovação da BioIn, empresa da Camila, ainda está sendo desenvolvida. A engenheira criou microvespas para ajudar no controle de pragas em plantações como soja ou arroz. Ao serem liberados no campo, os insetos atacam ovos de lagartas e percevejos antes que possam causar dano ao cultivo.
– Usamos insetos para combater insetos – resume Camila. – É uma tecnologia limpa, que pode dispensar agrotóxicos e não deixa resíduo nos alimentos.
A novidade ainda aguarda aprovação do Ministério da Agricultura para ser produzida em escala e comercializada.
Via de regra, as foodtechs podem atuar em qualquer etapa da cadeia do alimento, de técnicas mais eficientes para o plantio ao enriquecimento de nutrientes, do rastreamento de fornecedores à compostagem. Por ser uma área ampla, o potencial de gerar novos negócios é considerado enorme.
– O Brasil é o país com a maior capacidade de crescimento no agronegócio em todo o planeta, portanto, tem muitas oportunidades para startups focadas nesse setor – avalia Guilherme Kudiess, sócio da aceleradora Ventiur, que lançou um fundo para investir em empresas da cadeira de alimentos.
A empresa pretende aplicar R$ 5 milhões em até 25 startups em todo país, e atualmente avalia propostas de 160 delas, sendo 60 gaúchas. De acordo com Kudiess, o foco é nas empresas que atuam “da porteira para fora”, ou seja, que aprimorem o sistema de transporte ou preservação de alimentos ou garantam qualidade de frutas e verduras até a ponta do consumo.
O mercado, em toda a cadeia produtiva, é cada vez mais lucrativo. As vendas de orgânicos ultrapassaram os R$ 4 bilhões em 2018 no Brasil, resultado 20% maior do que o de 2017, segundo o Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Organis). O país tem mais de 15 mil propriedades certificadas para produção de orgânicos ou em processo de transição – 75% pertencentes a agricultores familiares.
Morango azul
A criatividade pode levar até o consumidor soluções já existentes no mercado, mas ainda restritas à indústria ou a transportadoras. A estudante de Administração da ESPM-Sul Fernanda Knebel criou uma startup para faccionar em pequenas quantidades os oxidantes e a sílica-gel. Essas substâncias, explica ela, inibem o gás etileno, que acelera a decomposição de frutas, legumes e verduras.
– Os materiais já são produzidos em larga escala no Brasil, mas usados principalmente em transportadoras, armazéns e redes de supermercados para conservar os vegetais. Não estava à disposição da população em geral – explica.
Fernanda viu oportunidade de oferecer a tecnologia ao consumidor final para esticar a durabilidade dos alimentos nas geladeiras ou nas fruteiras. Com sua startup, a Quiper Fresh, ela conseguiu reduzir as substâncias em um pequeno sachê. O processo foi submetido à Vigilância Sanitária de Canoas, onde a startup está registrada, e aprovado.
Para tornar a novidade atraente e prática, a empresária desenvolveu uma embalagem em formato de morango, que pode ser colocada junto às frutas. A promessa é que a técnica aumente em até três vezes a durabilidade dos alimentos.
– Lançamos o morango azul em maio e já está estamos vendendo em uma grande rede de supermercados do Estado e também em Belo Horizonte e São Paulo – comemora Fernanda.
Fazendas urbanas
O movimento está alinhado a um interesse maior da população em alimentos mais frescos e nutritivos. E empreendedores que consigam atender a essa demanda tendem a se dar bem. É a fórmula da Urban Farmcy, com suas fazendas urbanas de microgreens, alimentos livres de agrotóxicos e colhidos mais cedo para preservar as propriedades nutritivas.
A startup mantém 26 fazendas urbanas em Porto Alegre, onde cultiva beterraba, repolho roxo, rúcula, couve, rabanete, ervilha, entre outros. Colhidas no segundo estágio de maturação, quando há o ápice de captação solar, nutrição de água e consumo da biomassa da semente, essas verduras podem concentrar 40 vezes mais nutrientes.
– Isso representa uma eficiência enorme para produção e consumo. Um adulto pode saciar seu apetite com um prato de salada de microgreen, reduzindo o consumo de itens gordurosos e que gastem muitos recursos naturais – ilustra Matheus von Mühlen, diretor da empresa, criada há três anos.
O desafio está em dar escala à produção e proteger as mudas em sua fase mais crítica – é aí que entra a tecnologia. A Urban Farmcy, que conta com o serviço de biólogo, agrônomo e engenheiros hídricos, desenvolveu e patenteou um sistema de irrigação adequado para microgreens, no qual a água percorre as plantações em doses precisas.
A iluminação é automatizada, e os recipientes onde ficam as mudas têm controle de umidade e temperatura. As inovações permitem que cada módulo – que têm as dimensões de uma geladeira – gerem 20 quilos de microgreens por mês, um feito notável para um cultivo tão frágil. A produção mensal da Urban Farmcy chega a 200 quilos de microgreens, o que equivale a 6 mil pratos de salada.
– Os microgreens são novos no Brasil e em todo o mundo, então toda tecnologia que gere escala é bem-vinda – diz Matheus.
Atualmente, 23 restaurantes na capital gaúcha servem os microgreens da Urban Farmy, e um grande hospital de Porto Alegre negocia com a empresa para incluir os alimentos no cardápio dos pacientes. A empresa também assinou um contrato com uma grande rede de supermercados do Estado para fornecer sua produção a partir de 2020.
Sinais de que o alimento do futuro já está entre nós.