Um antropólogo que dá palestra em evento de tecnologia, uma empresa de tecnologia com departamento de pesquisa focado em design antropológico, uma marca que assume o propósito de tornar o mundo mais bonito. Três falas do primeiro dia do Festival de Interatividade e Comunicação (FIC19) atravessadas por uma perspectiva mais “humana” da inovação.
Na 15ª edição, o evento, que começou nesta segunda-feira (28), na Unisinos, na Capital, já não discute a virada para a vida digital, mas a nova ordem digital em todas as dimensões da vida, a começar pela relação com o tempo.
O antropólogo Michel Alcoforado, criador da Consumoteca, consultoria para ajudar as marcas a (tentarem) entender o que está acontecendo, arrancou risos da plateia em uma palestra cheia de alegorias do cotidiano:
— Tá tudo um caos! Até alguns anos, você só tinha uma preocupação ao acordar, que era apagar o rádio-relógio quando despertava. Agora, quando toca o despertador do celular às 6h30min, você já tem todas as patacoadas do presidente, as notificações do grupo do trabalho, o tio reclamando do tempo no grupo da família, e você ainda dá uma olhada se deu algum match no aplicativo de relacionamento.
Em tom bem-humorado, o pesquisador apresentou uma perspectiva histórica de como a humanidade se relacionou com o tempo desde os primórdios até hoje, quando os dispositivos digitais, objetos conectados e inteligentes mudaram radicalmente a noção de agilidade, demora e até de idade.
De um holandês que entrou na Justiça para alterar a idade civil ao tempo de espera por um carro em aplicativos, os casos são autoexplicativos. Quem, por exemplo, nunca partiu para outro app em busca de um motorista que chegue mais rápido quando aparece o aviso de que o tempo de espera será de quatro minutos?
— A gente tem uma série de dispositivos para agilizar processos e está sempre sem tempo — resume.
Estratégias
Para complicar, diz o pesquisador, não é só uma questão de tempo, mas também de espaço. Usando uma consulta astrológica como exemplo, Alcoforado conta que perturbou o mapa astral diante da simples pergunta sobre onde havia passado o último aniversário, pois acordou em Montevidéu, almoçou em Porto Alegre e jantou no Rio de Janeiro.
Nessa relação acelerada, muda também a estratégia das marcas ao desenvolver e lançar produtos e serviços: o tempo de planejamento está encurtado, esperar pode deixar brecha para a concorrência sair na frente ou o interesse do consumidor já ter se direcionado a outra coisa. Nesse contexto, “mínimo produto viável”, o MVP, deixa de ser propriedade de
startups, e metodologias ágeis, como o design thinking, tornam-se cada vez mais presentes em grandes corporações.
— Numa abordagem sociológica, a inovação passa a ser uma produção coletiva, multidisciplinar e colaborativa — descreveu a líder do time de experiência do usuário da Samsung, Renata Zilse Borges.
Nessa perspectiva, o consumidor deixa de ser aquele que compra um produto e passa a ser o que usa um produto. E aí vem outra dimensão antropológica da inovação na contemporaneidade: propósito. As novas gerações se relacionam com marcas com as quais se identificam e buscam construir carreiras que façam sentido.
Marcas com propósito foi o tema da gerente global da Natura Ana Carolina Soutello. Posicionada como uma indústria de cosméticos que quer deixar o mundo mais bonito, a empresa busca reforçar a associação da marca a causas como a redução de lixo e a preservação da Amazônia.
— Marcas com propósito não são perfeitas, mas são mais abertas a repactuar seu papel com a sociedade — disse a executiva.
O FIC19 segue nesta terça-feira (29), com inscrições no local, a R$ 260.