Ivan Mizanzuk começou a produzir conteúdo em áudio para a internet durante o doutorado, quando "preferia escrever só nas pesquisas". Como também não gostava de vídeos e já era ouvinte assíduo de podcasts, começou a gravar conversas com amigos. Virou referência na podosfera (termo usado para designar o universo dos podcasts) com dois podcasts de sucesso — o AntiCast (2011) e o Projeto Humanos (2015) — e será um dos palestrantes do Festival de Interatividade e Comunicação (FIC), que discute a nova ordem digital na Unisinos Porto Alegre, nos dias 28 e 29 de outubro.
Graduado em Desenho Industrial, Mizanzuk, agora doutor, é professor universitário no Paraná e tem percorrido o país em palestras sobre storytelling para podcasts. Na agenda atribulada, encontrou tempo para responder algumas perguntas a GaúchaZH por mensagem de texto, não só adiantando tópicos da palestra Filmes Para se Ouvir, que ele traz para o FIC19 no dia 29 de outubro, às 10h, no Teatro Unisinos. Ele também fala sobre o investimento de grandes veículos de comunicação no formato, que se popularizou no cenário independente, e vislumbra o dia em que atores e atrizes de renome interpretem podcasts ficcionais.
— Aí a gente estará bem maduro — acredita.
Confira a entrevista:
Você criou o Anticast em 2011, quando o formato ainda não estava tão disseminado no Brasil como hoje. O que o levou a investir nesse formato?
Para mim, é sempre estranho quando me dizem que em 2011 o podcast não estava tão disseminado assim. Claro, em questão de números, sem dúvidas o cenário hoje é outro. Mas eu comecei a fazer o AntiCast em 2011 justamente porque eu e meus amigos estávamos viciados em podcasts. A gente pertence àquilo que eu chamo informalmente de uma "terceira onda" de podcasts brasileiros: teve a primeira onda, lá por 2004, 2005, que são os pioneiros (alguns deles ainda na ativa até hoje), houve uma segunda onda lá por 2008 (quando eu comecei a ouvir) e teve a minha geração, que eu considero uma terceira onda. Pelo que consigo ver daquela turma que começou comigo, nós já começamos atrasados. Sobre o que me motivou naquela época, eu só posso falar que foi um desejo de produzir conteúdo para a internet de alguma forma. Eu nunca gostei de fazer vídeos, produzir textos também sempre foi muito puxado (já que eu estava no início do doutorado, então eu preferia escrever só nas pesquisas) e podcast era um meio legal de eu poder gravar as conversas que eu tinha com os meus amigos e fazer outras pessoas ouvirem e participarem.
Agora, diversos veículos estão investindo nesse formato. Como você avalia a produção brasileira de podcast?
Eu acho ótimo esse investimento, espero que dure muito tempo. Torço para que não seja uma moda passageira, e que não montem metas malucas do tipo "temos que ter X milhões de downloads em Y meses, senão a gente para". Podcast demora pra se acertar, mas tem que ter um pouco de paciência — e de forma alguma ele pode ser comparado com pageviews ou views do YouTube. Cada mídia tem suas "regras" e culturas. Vejo muitos canais grandes cometendo erros básicos de quem ainda não entende direito a mídia e especialmente o público que a consome. Mas pode ser algo mais profundo: desde o início do podcast no Brasil, os maiores podcasts sempre foram independentes. Então, pode ser que estejamos agora testemunhando conflitos entre culturas, tipo produtores independentes versus grandes corporações. Pode ser que dê certo, pode ser que passemos por um período de transição em que o cenário vá mudar, não sei. A curto prazo, posso afirmar que os podcasts de grandes veículos que tendem a dar mais certo são aqueles que assumem uma linguagem mais próxima das produções independentes, pois foi assim que a mídia se consolidou no Brasil, ou que entregam algo de qualidade muito acima do que um independente sequer é capaz de fazer com recursos limitados. Há exceções, muita gente acertando, mas há muita coisa para melhorar ainda. A meu ver, se eu tivesse mais recursos e material humano, eu não veria motivo para fazer um podcast do mesmo nível e formato que eu conseguia fazer 10 anos atrás via Skype com meus amigos.
O que ainda falta aos podcasts produzidos aqui?
Eu costumo dizer que faltam três coisas:
1) Os veículos grandes passarem a investir com grana e estrutura para isso, especialmente no jornalismo. Não pode ser um trabalho paralelo enquanto você trabalha na redação. Tem que ser algo focado, com equipe direcionada. Não importa se é podcast diário, semanal ou sazonal: tem que ter gente trabalhando só nisso.
2) Aumentar a diversidade de trabalhos em formato Storytelling/Narrativos, os tais "filmes para se ouvir", com maior abrangência de temas. Já temos alguns ótimos exemplos, como o Presidente da Semana, do Rodrigo Vizeu (Folha de São Paulo), ou o Vozes, da Gabriela Viana (CBN). Mas ainda é pouco. Por conta de recursos muito limitados (sou praticamente eu que faço tudo), demoro demais para fazer o Projeto Humanos, especialmente o Caso Evandro, que é a última temporada. Esse tipo de projeto exige uma produtora/redação/veículo/canal que permita que uma equipe inteira fique um ano pesquisando e produzindo para depois lançar uma leva de episódios — que, no final, pode nem dar tão certo assim. É um risco, mas um risco que precisa ser corrido em algum momento por alguém.
3) O último passo seria a proliferação e investimento em obras ficcionais. O Mundo Freak tem feito algumas coisas muito bacanas nisso e tem uma galera no independente também que tem arriscado coisas legais. De cabeça, cito aqui o Cris Dias (Boa Noite, Internet), o Guilherme Afonso (1986), André Monsev e Lucas Kircher (A Voz de Delirium), e o pessoal do Overcast, que produz o Informe do Almanaque do Jovem Fazendeiro. São todos excelentes programas, mas ainda há todo um campo para ser expandido. Quando começarmos a ver atores e atrizes de renome interpretando em podcasts, e isso depois se desdobrando para vídeo na TV ou streaming, a gente estará bem maduro.
Como podcasts podem gerar receita?
Geralmente são quatro as formas de receita: contribuição mensal de ouvintes (bastante presente no meio independente), patrocinadores (mais comum em podcasts de grande porte), empresas mantenedoras que financiam o podcast (é o caso de podcasts corporativos e até alguns da imprensa), venda de produtos relacionados ao podcast, tal como camisetas, canecas e outros itens. Aqui, o grande exemplo é o Nerdcast, o maior podcast do Brasil, um dos mais antigos e mais tradicionais, e que foi muito competente em montar um modelo de negócio deles, baseado na sua própria "mitologia". Creio que é o único caso assim no Brasil, mas nos Estados Unidos é um modelo de negócios mais comum. E é importante dizer: é bastante comum também os podcasts misturarem essas formas de receita. O Nerdcast mesmo vende produtos, tem patrocinadores e também produz programas especiais em parceria com empresas específicas. Já o Mamilos conta com patrocinadores, empresas que fazem parcerias para programas especiais e também com contribuição de ouvintes. Cada caso é um caso.
Quais as principais chaves de storytelling necessárias para um bom podcast?
Acima de tudo, tentar manter a história interessante para o ouvinte ir até o fim. Eu costumo dizer que o programa ideal é aquele no qual a pessoa acabou de chegar em casa, estacionou o carro na garagem do prédio, faltam cinco minutos para acabar o episódio e ela vai ficar no escuro, na garagem do prédio, porque ela precisa terminar de ouvir. E ela vai querer engatar já o próximo episódio (ou esperar ansiosamente ele sair na próxima semana). Em poucas palavras, é disso que se constitui um bom podcast storytelling. Agora, o desafio está em como fazer isso. E isso é papo para outra conversa.
15º Festival de Interatividade e Comunicação (FIC19)
- Quando: 28 e 29 de outubro de 2019 (segunda e terça)
- Onde: Unisinos Porto Alegre (Avenida Dr. Nilo Peçanha, 1.600, Boa Vista)
- Quanto: R$ 260 (lote 3)
- Descontos: meia-entrada para estudantes e 40% de desconto pelo Clube do Assinante
- Inscrições: neste site